Justificação e a Clareza da Bíblia
por
John W. Robbins
Justificação — a Chave para a Clareza Bíblica
A Bíblia é clara e fácil de entender? A proliferação de divisões dentro do movimento protestante tem provado que os Reformadores eram muito otimistas em afirmar a clareza da Bíblia? Se ela é clara, porque há tantos cristãos professos tão incrivelmente ignorantes da Bíblia? Quando os Reformadores afirmavam que a Bíblia é clara e fácil de entender, eles não queriam dizer que ela era uniformemente assim. Obviamente, há dificuldades sobre certas partes da Bíblia que talvez não se tornem claras nesta vida. Nem os Reformadores fecharam seus olhos para o fato de que homens de erudição e perspicácia mental falham em entender a Bíblia. Entretanto, eles afirmavam a clareza da Bíblia quando vista à luz da grande doutrina reformada da justificação pela fé somente. O primeiro princípio da fé — a Bíblia somente — e seu corolário — justificação pela fé somente em Cristo — permanecem juntas. Se uma é perdida, assim também a outra. Lutero disse:
Se o artigo da justificação é perdido, perde-se toda a doutrina cristã ao mesmo tempo... Ela sozinha faz de uma pessoa um teólogo... Pois com ela vem o Espírito Santo que, por seu intermédio, ilumina o coração e a guarda no entendimento verdadeiramente correto, de forma que ela é capaz de distinguir precisa e claramente e julgar todos os outros artigos da fé, e vigorosamente sustentá-los (What Luther Says, ed. E. Plass [Concordia, 1959] Vol. 2, 702-714, 715-718).
Se estas declarações de Lutero estão corretas, elas significam haver uma razão principal pela qual a Bíblia não é clara na igreja de hoje. Perdemos de vista a verdade da justificação pela fé somente. Que esta mensagem central da Bíblia seja restaurada ao devido lugar, e a Bíblia se tornará essencialmente clara!
A Justificação Ilumina Todas as Outras Verdades
A Bíblia é a revelação do propósito e da ação salvadora do Deus santo e gracioso. Deus livrou uns poucos crentes do Dilúvio, Ló das chamas de Sodoma, Israel do cativeiro do Egito, Ezequias da ameaça de Senaqueribe, os judeus do Cativeiro na Babilônia e o salmista das conspirações de seus inimigos. Todos estes livramentos do Antigo Testamento apontam para o ato culminante de justiça quando o próprio Deus-Filho veio à Terra na carne e pessoa de Jesus Cristo. Em Jesus Cristo vemos o Deus que está com Seu povo nas enfermidades corporais, na pobreza, no sofrimento, na solidão e na morte. Em Jesus Cristo , Ele é também visto como o Deus “por nós” em face de tudo o que está contra nós. Em nossa alienação de Deus, somente ele pode nos ajudar. Deus, portanto, por amor, deixou tudo, deu tudo e sofreu tudo. Tampouco Ele falha em redimir Seu povo.
Este propósito divino, salvador, realizado por Jesus Cristo é chamado pela Bíblia “a justiça de Deus” (Romanos 1:17). Ela é eficaz para todos os que Deus escolheu salvar, assim como os atos de salvação temporal de Deus no Antigo Testamento foram eficazes para os escolhidos para serem salvos. A Bíblia toda fala sobre isto. Quando ela é lida e entendida segundo esta estrutura, sua mensagem é tão clara quanto o sol do meio-dia. Mas se o tema de Cristo e a justificação pela fé somente saem de vista ou são removidos do centro, a Bíblia perde sua clareza. Ela se torna fragmentada como um quebra-cabeça espantoso, ou deformada para tornar-se um manual de auto-ajuda, ou corrompida a ponto de sancionar quaisquer experiências religiosas bizarras, ou explorada pelos fantasiadores de acontecimentos na política internacional. Até mesmo doutrinas verdadeiras tornam-se falsas quando removidas da estrutura bíblica e colocadas no contexto não-bíblico.
No primeiro tratado escrito ao povo inglês em nome da Reforma, John Bugenhagen declarou: “Nós temos somente uma doutrina: Cristo é nossa justiça”. Isto expressou o espírito da Reforma. A ênfase dos Reformadores na “doutrina única” não significa sua ignorância de outras doutrinas essenciais, mas eles enxergavam a verdade da justificação pela fé em Cristo permeando todas as outras doutrinas. Não é bom o suficiente relegar o artigo da justificação só pela graça, por causa de Cristo somente, unicamente pela fé, a um mero artigo de fé dentre outros seis. Ele deve se tornar o centro de todas as doutrinas. A doutrina da justificação só pela fé, considerada corretamente, pressupõe ou implica as demais doutrinas bíblicas. Por exemplo:
A Trindade
A mensagem central da Bíblia sobre a justificação só pela graça, unicamente por causa de Cristo e somente por meio da fé faz a verdade da Trindade brilhar (veja Romanos 3:24-26): “... sendo justificado gratuitamente pela sua graça...”. Aqui somos levados a contemplar a fonte da salvação na mente de Deus, o santo Pai: “... através da redenção que há em Cristo Jesus [...] seu sangue...”. Isto nos aponta para o fundamento da nossa aceitação nas obras e na morte do Deus-homem, o santo Filho. “... através da fé...”. Visto que a Bíblia testifica por toda a parte que não podemos, por nós mesmos, nos achegar a Deus ou crer em Jesus Cristo , isto nos aponta para a forma pela qual a salvação é aplicada ao nosso coração pela obra de Deus, o Espírito Santo: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16).
O amor eletivo de Deus-Pai, a vida e a morte de Jesus Cristo, o Deus-homem, e a fé colocada no coração por Deus-Espírito Santo ensinam a verdade da Trindade. A Trindade realiza nossa salvação.
Lei e Depravação Humana
A mensagem da graça somente, Cristo somente, e fé somente pressupõe o estado de perdição absoluta do homem. O “somente” enfatiza o fato de o pecador caído não contribuir com nada para sua salvação. O preço da redenção, o sangue do próprio Senhor da glória, deixa claro que toda obra humana comum é sem valor para obter a salvação. Graça somente significa ser aceito a despeito de ser inaceitável. Cristo somente significa que não temos absolutamente nenhuma justiça diante de Deus, senão Jesus Cristo. Fé somente significa a confissão de que a única coisa boa a nosso respeito é que Deus nos considerou bons por pura misericórdia para conosco e por pura justiça para com Jesus Cristo. O pecado custou a Adão e Eva seu lar no Paraíso e um filho tirado deles pelas mãos de um assassino. Ele custou aos judeus sua cidade amada e suas crianças (arrastadas por exércitos opressores). Mas até mesmo isto pode representar apenas de um modo vago o salário do pecado. Ele custou a Deus um sacrifício tão grande que continha todo o tesouro acumulado da eternidade. Ele entregou Seu Filho nas mãos de assassinos. Este é o único contexto — o contexto bíblico — no qual devemos tratar a doutrina da depravação humana.
Eleição
A Bíblia dá à eleição sua estrutura apropriada quando a apresenta como a eleição “em Cristo” (Efésios 1:4). A salvação é totalmente devida à iniciativa de Deus em Jesus Cristo. Ele escolhe, busca e encontra Seu povo. Nós não O escolhemos, buscamos e encontramos. Nossa salvação está fundamentada em Sua decisão prévia de salvar o povo por intermédio de Jesus Cristo. Deus elege, o Filho salva os escolhidos pelo Pai, e o Espírito concede o dom da fé a Seu povo. Portanto, a “plena certeza de fé” não descansa no estreito fio de nossas decisões instáveis ou em nossos atos pecaminosos. Nossa fé, ou obras, nunca podem contribuir para ou causar nossa eleição, visto que Deus elegeu Jesus Cristo e Seu povo nEle muito antes de chegarmos à fé. A eleição é a causa, não o resultado, de nossa fé.
O Cristo Divino e Humano
Visto que era para o homem a justificação requeria perfeita justiça, Deus- Filho teve que se tornar homem. Esta justiça aceitável a Deus deve ser humana: “Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos” (1 Coríntios 15:21). Mas, pelo fato de o homem pecador não poder obedecer à lei, a Segunda Pessoa da Trindade se encarnou em Jesus Cristo. O que nem Deus nem o homem podiam fazer sozinhos (porque Deus não sofre e não morre, e o homem não pode viver de forma perfeita), o Deus-homem, Jesus Cristo, realizou.
Por uma Vida que não vivi,
Por uma Morte que não morri;
Na morte de Outro, na vida de Outro
Descansará minha alma eternamente.
Julgamento Final
A doutrina da recompensa e da punição final é iluminada pela cruz de Cristo. “O justo viverá por fé” (Romanos 1:17). NAquele que ressuscitou para nossa justificação (Romanos 4:25) e ascendeu corporalmente à destra gloriosa de Deus recebemos uma clara antecipação escatológica: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus ” (Romanos 8:1). Os santos serão “glorificados juntamente” com Cristo. Enquanto quem crê é justificado para a vida eterna, aquele que não crê já está condenado. A ira de Deus permanece sobre ele (João 3:36). Não estamos interessados em especular sobre todas as idéias fantásticas e antibíblicas, propostas por algumas pessoas, acerca da doutrina sobre o futuro. Deus nos mostrou a natureza do inferno e da morte, pois na cruz de Cristo “a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça” (Romanos 1:18). O choro de abandono de Cristo: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” foi Sua descida ao inferno. Ele não desceu ao inferno depois da morte; antes, Ele foi, como disse, com o ladrão, para o Paraíso. À medida que seguimos o corpo ferido e sem vida do Salvador até o túmulo, vemos claramente qual é o salário do pecado — a morte . A morte não é ilusória, mas é o julgamento de Deus sobre o homem pecador. Ela é tão concreta e real como a execução e sepultamento de Jesus Cristo. Ninguém falou mais do julgamento final e da horribilidade do inferno que Jesus Cristo.
Justificação Expõe Erros
Se a doutrina da justificação pela fé somente ilumina todas as outras doutrinas, ela ao mesmo tempo expõe erros. Ela é um fio de prumo divino para testar toda estrutura doutrinária. É o princípio que deve questionar radicalmente todos os nossos credos, idéias e tradições. Talvez esta seja uma das razões pelas quais a igreja professante tenha relegado a doutrina da Reforma ao segundo plano. Caso se permita que ela permaneça na frente, torna-se revolucionária e talvez perturbe o status quo . Ecclesia reformata semper reformanda * é a confissão de que a Reforma não foi terminada com Lutero e Calvino. O santuário da verdade ainda deve ser limpo de todos os erros importados durante a Idade das Trevas. Não temos razão para pressupor que a restauração tenha sido completada pelos Reformadores. O erro é como um polvo. Ele tem muitos tentáculos, mas um coração. A maioria dos livros escritos para expor os erros de certas seitas ou sistemas falsos luta tediosamente contra todos os tentáculos do povo doutrinário. Poucos o destroem eficazmente no coração com a palavra afiada da justificação somente pela fé.
Olhe como Lutero tratou o papado. Outros antes e depois dele gastaram suas energias bradando contra os abusos de Roma. Lutero disse:
Sem dúvida este único artigo [justificação], pouco a pouco, como ele começou, demoliu todo o papado, com todas as suas irmandades, perdões, ordens religiosas, relíquias, cerimônias, invocação de santos, purgatório, missas, vigílias, votos, e uma infinidade de outras abominações semelhantes... Além do mais, nós ensinamos e urgimos nada senão este artigo da justificação, que sozinho, e ao mesmo tempo, ameaçou a autoridade do Papa e devastou seu reino... Imagens e outros abusos na igreja teriam caído por si mesmos, se elas [as seitas] tivessem apenas diligentemente ensinado o artigo da justificação (Comentário sobre Gálatas, Middleton ed., 218, 219).
Lutero atravessou o complicado labirinto da teologia medieval e reduziu toda a teologia ao princípio sola fide . A igreja cristã hoje está inundada com “ismos” de todo tipo e cor. Poderíamos gastar o tempo eternamente lutando contra os tentáculos do erro, mas precisamos chegar ao coração. Todo erro está unido em sua oposição comum ao princípio da justificação só pela fé. Todo erro obscurece a luz do Evangelho. O que a igreja e o mundo desesperadamente precisam é a verdade sobre a justificação só pela fé sem o embaraço dos erros populares que a obscurecem.
Romanismo
A doutrina da justificação pela misericórdia de Deus somente, sob o fundamento do que Cristo já fez, e mediante a justificação vicária de Cristo imputada unicamente pela fé, é um “não” radical ao Romanismo. Embora os teólogos romanistas possam algumas vezes usar as palavras da Reforma ou da Bíblia, isto não significa que as palavras tenham o mesmo conteúdo. De acordo com os romanistas, “justificação pela graça” significa ser justo aos olhos de Deus porque a alma está interiormente adornada com a graça ( gratia infusa ). “Justificação por Cristo” significa ser feito justo pela real habitação da vida pura de Cristo que substituiu (interiormente) o lugar da vida impura do pecador”. “Justificação pela fé” significa que a própria fé, como qualidade, faz o crente justo aos olhos de Deus. Embora protestantes ignorantes possam aplaudir as mudanças ocorridas em Roma, na realidade nada mudou. A organização que provou ser capaz de adotar as instituições pagãs e adaptá-las para seu uso, pode também adotar os slogans do Protestantismo e adaptá-los para o próprio uso.
O princípio da Reforma da justificação pela fé somente sempre aponta para as realidades salvadoras que estão completamente fora do homem. Graça é pura misericórdia que está fora do homem, no coração de Deus. A justiça justificadora está fora do homem, por ser a obediência de Jesus Cristo ocorrida há dois mil anos. Na justificação, a justiça não é infundida, mas imputada . Ela não está no homem, que está na Terra, mas em Cristo, que está no Céu. A fé justifica, não por ter algum mérito intrínseco, mas somente por ser o único instrumento que aceita e pode aceitar o dom imputado. A justificação só pela fé significa que eu vivo no favor de Deus pela justiça encontrada em outra pessoa. Ela significa ser aceito como justo porque outro é justo. Em todo o caso ela me leva à “Rocha que é mais alta do que eu”.
No Romanismo tudo é internalizado. As palavras graça , justiça , justificação , substituição podem permanecer, mas elas não têm mais significado objetivo. A obra de Cristo por nós é substituída pela obra do Espírito Santo em nós como a causa do perdão e aceitação. A renovação interior do crente é colocada no lugar da justiça imputada de Cristo. O ato transformador de Deus no homem desloca o ato redentor de Deus pelo homem . O foco da atenção não é externo, mas interno; não no céu, à destra de Deus, mas “no fundo do coração” e na “nova vida interior”. O que permanece objetivo no Romanismo não é a obra de Cristo, mas a obra do Anticristo e seus sacerdotes, que Roma chama “a igreja”.
Consideramos Roma a cabeça de todos os “ismos” religiosos por ser a “mãe” das “abominações da Terra” (veja Apolicapse 17:5). É este sistema que mais perfeitamente sumariza todas as falsas religiões. Todo “ismo” desviado encontra seu verdadeiro lar aqui, porque o denominador comum de todas as falsas religiões é a preocupação com a vida interior do adorador.
Pentecostalismo
A verdade da justificação pela fé somente julga e condena o movimento pentecostal-carismático. Ninguém pode crer na justificação pela fé somente e ao mesmo tempo, coerentemente, subscrever os princípios básicos do Pentecostalismo.
Nós não negamos que possa haver cristãos verdadeiros ligados ao Pentecostalismo. A mente de algumas pessoas é admiravelmente confusa. Porém, há quatro pontos que devem ser destacados sobre o Pentecostalismo à luz da justificação:
1. Quando Deus justifica o pecador por causa de Cristo somente, Ele o faz atribuindo ao crente tudo o que Cristo fez em Sua santa obediência a nosso favor. Tudo o que Cristo é, toda a Sua justiça inconquistável com todos os seus méritos e heranças, pertence ao pecador necessitado que o Espírito Santo une a Cristo em fé salvadora. Este é o dom que compreende e abrange tudo o mais.
Agora, se nossos amigos pentecostais confessam conosco a magnitude deste dom de justificação, por que falam sobre a experiência de ser batizado no Espírito, como se isso fosse algo mais alto e melhor do que todas as coisas já possuídas por todo crente?
O dom Espírito Santo é somente o “penhor” (Efésios 1:13,14) da herança mediante Jesus Cristo. A graça da justificação é como a água do oceano inteiro. A experiência interior é como uma concha pequena que retém um pouco desta água. O dom reduzível à dimensão da experiência do pecador mortal não é um grande dom.
2. Quando o Pentecostalismo ensina uma experiência religiosa após a justificação e conversão, isso implica que o dom gratuito da justiça de Cristo ao crente não é suficiente para trazer o preenchimento, ou batismo, do Espírito Santo.
Mas a justificação significa que, pelo fato de a justiça de Cristo ser imputada ao crente, Deus deve não somente considerá-lo, mas tratá-lo como justo. Eu não sou um homem justo e justificado com Deus? Deus não se deleita e não ama abraçar um homem justo? O apóstolo Paulo diz que o Espírito vem com a bênção da justificação (Romanos 4:1-4; 8:1-10; Gálatas 3:1-14; Efésios 1:24; etc). A justificação que não traz o Espírito Santo abundantemente (Tito 3:5-8) não é justificação, e não mereceria que se falasse dela (geralmente o caso entre os entusiastas carismáticos).
3. Se a recepção da justiça imputada pela fé somente não traz consigo o dom abundante do Espírito, outros passos ou técnicas devem ser utilizados para obter “o melhor do céu”. Aqui a porta está aberta para um novo tipo de legalismo. As pessoas tornam-se obcecadas por receber o Espírito mesinate seus atos de “entrega absoluta”, “dedicação total”, “erradicação de si mesmo” ou “entronizar Jesus no centro da vida”. A atenção é tirada da mensagem do Evangelho de que Cristo realmente obteve o Espírito para o crente por Seus atos de entrega absoluta, dedicação total, e pela aniquilação do pecado ocorrida no Calvário (Atos 2:33; Gálatas 3:13,14; João 7:38,39).
Paulo lembra aos gálatas insensatos que o Espírito veio (Gálatas 3:2) e continua a ser dado abundantemente (Gálatas 3:5, tradução literal) pelo ouvir da fé. A pregação do Evangelho é a proclamação de como o Espírito vem ao homem mediante os atos conquistadores de Jesus a seu favor. O “galacionismo” proclama como os homens podem ganhar o Espírito.
4. A principal preocupação do Pentecostalismo é a vida interna do crente. Seu testemunho predominante é a experiência interna do Espírito e não a ação histórica de Deus em Jesus Cristo. Por esta razão, a espiritualidade Pentecostal está em harmonia fundamental com a espiritualidade católica. O Pentecostalismo é capaz de construir uma ponte para unir o abismo entre o Romanismo e o Protestantismo apóstata, mas o trânsito dessa ponte é principalmente num único sentido. Toda experiência religiosa que nega a justificação pela fé encontra sua morada somente em Roma.
Subjetivismo
A doutrina da justificação mediante a justiça imputada (fora-de-mim) nos direciona a encontrar a salvação num evento salvador completamente fora de nós. Assim como fomos constituídos pecadores pelo que Adão fez num evento histórico, assim o crente é justificado para a vida eterna pelo que Cristo fez num evento histórico (Romanos 5:18, 19). John Bunyan testificou:
Se você disser que a salvação é Cristo dentro, em oposição a Cristo fora, em vez de ensinar a verdade sobre Cristo você a estará negando; porque Cristo, Deus-homem, fora, sobre a cruz, trouxe salvação para pecadores; e crer nisto justifica a alma. Portanto, Cristo dentro ou o Espírito daquele que deu a Si mesmo como resgate, não opera a justificação mediante a alma na alma, mas leva a alma para fora de si mesma e para fora do que pode ser feito nela, para buscar salvação naquele Homem agora ausente de Seus santos na Terra...
E deveras os que seguem a Cristo corretamente devem segui-Lo para fora, à cruz fora, para justificação no Calvário fora –– isto é, devem buscar justificação mediante Sua obediência externa –– o túmulo externo, e Sua ascensão e intercessão no céu fora; e isto deve ser feito pela operação do Seu Espírito Santo prometido que mostraria estas coisas para eles, sendo enviado a seu interior com este propósito. Agora o Espírito de Cristo conduz também. Mas para onde? Ele conduz para o Cristo exterior ( The Riches of Bunyan [New York: American Tract Society, 1850] 142, 143).
A doutrina da justificação é um radical “não” ao subjetivismo religioso. Já consideramos as duas formas principais de subjetivismo religioso –– Romanismo e Pentecostalismo –– mas deve também ser dito que o movimento neo-evangélico submergiu nele também. Os neo-evangélicos internalizam ou psicologizam o Evangelho e não têm boa razão para se opor aos pentecostais ou romanistas, pois a teologia é a mesma. Não tentamos minimizar a necessidade de regeneração, de habitação do Espírito e de santidade. O que estamos contra, em nome do Evangelho, é a distorção destas coisas que as torna totalmente falsas. Por exemplo:
Novo Nascimento: O novo nascimento é uma mudança radical operada na alma pelo Espírito Santo, que leva o eleito de um estado de incredulidade para o assentimento da verdade do Evangelho. O pecador agora concorda que Cristo somente é a base da salvação. Ele vive a nova vida de fé no Filho de Deus –– continuamente confessando sua pecaminosidade, sempre confiando nos méritos de Cristo, e habitualmente obedecendo a Seus mandamentos. Se tentarmos advogar este tipo de novo nascimento, isto pode somente magnificar a glória da justiça imputada de Cristo.
Mas freqüentemente acontece que a experiência do “novo nascimento” (a regeneração nunca é experimentada, mas seus efeitos são) é colocada no lugar da justiça imputada por Cristo. A conversão torna-se o grande evento salvador ou a “obra consumada” — garantia de segurança eterna. O batismo torna-se o grande memorial e celebração da nova vida interior. A doutrina bíblica da salvação e da segurança na “justiça alheia” é absolutamente contra este conceito popular e pervertido do novo nascimento.
Cristo Dentro. A presente era requer claro discernimento da parte do povo de Deus, pois às mesmas palavras e expressões podem ser e têm sido dados significados totalmente diferentes. Temos visto como Roma pode usar os slogans da Reforma e, todavia, querer dizer algo totalmente diferente. A mesma coisa acontece com a expressão “Cristo no coração pela fé”. As pessoas têm a idéia de que Cristo vem ao coração de forma que sua experiência interior se torna “a esperança de glória”. Em vez de dirigir sua completa atenção à majestosa e incomparável Pessoa de Cristo como Senhor exaltado na sala do trono do templo celestial de Deus (Hebreus 8:1, 2; Apocalipse 11:19), eles se concentram no coração humano como verdadeira sala do trono do Senhor da glória. Certo líder de cruzadas orgulhosamente apresentou seu último convertido na cidade de Denver: “Conte-me sobre sua experiência, Harry”, disse o líder. “Jesus Cristo se tornou tão real para mim”, irradiou Harry enquanto agarrava sua enorme barriga, “porque eu o recebi em mim”. Esse tipo de expressão é desonrosa à majestade e glória do Cristo que preside à destra de Deus.
A vida cheia do Espírito. A verdade da justificação pela fé somente significa preocupação com a experiência de Cristo e não com a nossa. Isto é o que nos livra de preocupações egocêntricas para podermos viver de forma santa (Isaías 53:11).
Ela nos põe em liberdade para viver para a glória de Deus, e não para a nossa. Muito do corrente entusiasmo pela “vida cheia do Espírito” traz pouca semelhança com o testemunho do preenchimento do Espírito registrado no Novo Testamento. A desigualdade reside no entendimento totalmente diferente da obra do Espírito Santo. William Childs Robinson faz esta comparação no livro The Reformation : a rediscovery of grace [A Reforma: redescobrimento da Graça] (Eerdmans):
Realmente, os entusiastas enfatizam tanto a liberdade soberana do Espírito a ponto de separar a conexão entre a missão histórica do Espírito e de Cristo. Sua ênfase recai sobre a experiência subjetiva do Espírito no indivíduo e não na missão do Espírito de capacitar o crente para se apropriar da redenção adquirida por Cristo em Sua vida encarnada... A revelação divina objetiva de Si mesmo é a obra de Cristo; a revelação subjetiva de Deus é a obra do Espírito. O Espírito não fala de Si mesmo; Ele toma das coisas de Cristo e as mostra para nós, glorificando-O dessa forma (João 16:13-24). Ao separar esta conexão, o entusiasta deixa a si mesmo sem nenhum critério objetivo e se expõe ao perigo da espiritualidade desregrada. Em vez do conhecimento salvador de Deus revelado em Jesus Cristo , ela oferece muitas variedades de experiência religiosa, pois: “onde o Espírito Santo é separado de Cristo, mais cedo ou mais tarde, Ele é transformado num espírito totalmente diferente, o espírito do homem religioso, e finalmente no espírito humano em geral”. Como Lutero apontou, o Espírito Santo é chamado “testemunha” por testificar de Cristo e de ninguém mais. O Apóstolo declara: “Não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus nosso Senhor” (2 Coríntios 4:5)...
O verdadeiro Espírito Santo vem de Deus, do Cristo que ascendeu, e ele traz em Suas mãos o amor de Deus revelado na morte de Cristo por pecadores para derramar em nosso coração. Por isso, não é suficiente o pregador ser um gênio religioso que imagina poder despertar as possibilidades dormentes da religião no coração do ouvinte mediante a recitação de suas experiências ou de algumas outras atuais. Nem é suficiente o filósofo da religião apresentar-se como exemplo de fé ou possuidor de entendimento humano, e nem mesmo usar a crucificação de Jesus ou o apedrejamento de Estevão como estímulo para trazer a decisão existencial para um estudante. Embora estas situações possam dar a aparência de devoção a Cristo, elas não localizam a glória da salvação em Sua obra expiatória por nós. Antes, “a revelação histórica de Cristo é tratada como estímulo para a experiência espiritual subjetiva no indivíduo, não como conteúdo desta experiência”. O indivíduo espiritualista experimenta sua conversão e o fulgor espiritual resultante em lugar do “Jesus Cristo crucificado”, de forma que ao testemunhar, fala de sua nova descoberta de paz e felicidade antes de confessar Jesus como Senhor.
Representantes desta escola freqüentemente declaram que não é o nascimento em Belém, mas renascimento no coração deles que conta; não a cruz no Gólgota, mas a própria dedicação de viver pela eternidade que pelo temporário; não Sua ressurreição corporal, mas a própria fé na imortalidade. Contudo, verdadeira pregação do Espírito Santo vindo no Pentecostes leva o ouvinte a se voltar de todas as experiências para sua fonte verdadeira e apropriada; isto é, para Jesus Cristo. Ela o chama para a fé no Cristo nascido em Belém, morto pelos nossos pecados no Calvário e ressurgido dos mortos ao terceiro dia (172, 173).
Desejamos que estes comentários penetrantes do Dr. Robinson possam ser lidos e relidos por todo neo-evangélico. O que ele diz é a herança da Reforma. É a verdade da justificação pela fé somente.
Dispensacionalismo
Nossos amigos dispensacionalistas reconhecem a doutrina da justificação pela fé somente. Nosso sério apelo é a permissão para que a verdade da justificação pela fé somente, professada pelos dispensacionalistas, conclame todo o sistema e a estrutura doutrinários ao auto-exame radical.
O dispensacionalista está à vontade quando a doutrina da justificação pela fé é apenas uma entre inúmeras crenças doutrinárias. Mas é uma questão inteiramente diferente quando a justificação pela fé somente se torna central e abrangente, transformando-se no princípio hermenêutico determinante de nossa visão de resto.
Ninguém que genuína e coerentemente sustente o princípio apostólico e reformado da justificação pela fé pode ser dispensacionalista. E isto pelas seguintes razões:
1. Por todo o Novo Testamento testifica-se que Cristo é o cumprimento das esperanças e promessas do Antigo Testamento, “que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus” (Atos 13:32, 33). “Porque todas quantas promessas há de Deus são nele sim (cumprimento).” (2 Coríntios 1:20) Em Jesus Cristo , Deus deu um fim ao pecado, aboliu a morte, deu a Israel paz, sabedoria, saúde e justiça. NEle a antiga ordem passou e todas as coisas se tornaram novas (2 Coríntios 5:17). O Antigo Testamento declara: “Eis que dias vêm...”, e: “Porque há de acontecer...”; mas o Novo Testamento aponta para Cristo e diz: “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é...”, “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos”.
A menos que terem todas as promessas divinas aos judeus realmente se cumprido em Jesus Cristo , devemos admitir, juntamente com os judeus incrédulos, que Jesus não é o verdadeiro Messias. Certamente, quando Jesus voltar novamente, haverá uma revelação aberta da sua vitória ao mundo inteiro. Isto já foi realizado nEle. Nós cremos nela e a possuímos totalmente pela fé. Mas ela será abertamente revelada no final do mundo.
2. Paulo diz aos insensatos gálatas nos termos mais claros que a justificação por Cristo somente (Gálatas 2:17) é a bênção divina prometida à semente de Abraão (veja Gálatas 3). Todo judeu justificado pela justiça de Jesus Cristo recebe tudo o que Deus prometeu a Abraão e à sua posterioridade.
3. Os gentios gálatas sabiam que as promessas de Deus eram para Abraão e sua semente. Eles queriam se tornar desesperadamente parte da família de Abraão. Eles foram levados a crer que este status desejado poderia ser-lhes conferido por meio da circuncisão. Paulo ficou indignadamente impressionado. Ele lhes disse que isto era uma negação do Evangelho. Declarou que Cristo era a Semente para quem todas as promessas foram feitas (Gálatas 3:16,19). Ele é a Semente de Abraão –– isto é, o Israel de Deus personificado. Estar em Cristo é estar em Israel: “Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão”. Poderiam existir palavras mais claras?
Como os cristãos podem, mais que todas as pessoas, encorajar os judeus a esperar alguns eventos políticos na Palestina para o comprimento de promessas do Antigo Testamento em vez de apontar para seu glorioso cumprimento na Pessoa e na obra de Jesus Cristo? A justificação pela fé em Cristo é a bênção de Abraão. Todos os que a têm são filhos de Abraão, sem distinção. Estes e ninguém mais constituem “o Israel de Deus” (Gálatas 6:16). Este é a razão pela qual a verdade da justificação é um “não” radical ao dispensacionalismo. O dispensacionalismo pode crescer somente no clima onde a doutrina da justificação não é central e todo-abrangente.
Em seu método de separar o Antigo Testamento do Novo, o dispensacionalismo tem suas raízes no movimento chamado Entusiasmo. Diz o Dr. Robinson:
Nos interesses da continuidade da Igreja, a igreja evangélica da mesma forma se opõe aos entusiastas que separam os crentes do Antigo Testamento da fé do Novo Testamento [...] a Introdução ao Antigo Testamento de Lutero mostra que esta parte da Bíblia foi também um livro de fé sobre crentes como Abraão e Davi. Bucer aceitou os patriarcas, que se apegaram às promessas, como homens de fé; Zuínglio e seu sucessor Bullinger afirmaram: “Abraão participou do pacto eterno e se regozijou”. Deus tem só um povo; nossa fé é uma unidade com a de Abraão; o Novo Pacto é a revelação adicional do Antigo Pacto. Calvino mostra que todos aos que Deus adotou à sociedade do Seu povo estão no mesmo e único pacto, pois até mesmo aos santos do Antigo Testamento foi oferecida a esperança da imortalidade, encontrada na pura misericórdia de Deus e confirmada pela mediação de Cristo ( Institutas II, x, 1-4) (171).
Perfeccionismo
A doutrina crucial do Perfeccionismo é a possibilidade real para o crente, mesmo antes de sua morte, alcançar a perfeição [...] que o crente é capaz de transcender completamente a poluição do pecado. Neste respeito há grande concordância entre o Perfeccionismo e o Catolicismo (G.C. Berkouwer, Faith and Sanctification [Grand Rapids: Eerdmans], 49, 53).
O Perfeccionismo pode assumir diversas formas –– algumas mais moderadas, como a do ensino de John Wesley, e algumas totalmente radicais, como a doutrina da perfeição sem pecado encontrada entre algumas seitas. Há a doutrina da santidade, que advoga a “segunda bênção” em que o “velho homem”, ou natureza pecaminosa, é crucificada no crente na segunda crise de experiência subseqüente à conversão. Há a doutrina da “entrega absoluta” de Andrew Murray, que propõe ser este é o caminho para receber o batismo no Espírito Santo. Há os advogados de uma vida de piedade vitoriosa sem tomar o devido reconhecimento da realidade do pecado que habita em todos os crentes. E há os que falam sobre a habitação de Cristo ou do Espírito em termos substitutivos –– isto é, como se o Espírito tomasse o comando de tal forma que Ele realmente vive a vida vitoriosa para o cristão.
A Reforma, com todos os seus grandes credos e confissões, é hostil ao Perfeccionismo por permanecer na primazia, na centralidade e completa suficiência da justificação pela fé somente. Ela não nega a necessidade ou realidade da santidade, mas reconhece também a realidade do pecado em todos os crentes.
A vida não pode ser cumprida no processo histórico, e a crente confessa que sua completude é realizada somente em Cristo (Colossenses 2:10). Os pronunciamentos autocondenatórios dos profetas e apóstolos por toda a Bíblia (Eclesiastes 7:20; Salmo 143:2; Filipenses 3:11-14; Romanos 7:14-25; Tiago 3:2; 1 João 1:8) não são escusas para o pecado, mas confissões do pecado; e toda a igreja militante deve se unir com eles na confissão de que a natureza humana é pecaminosa. A verdade bíblica da justiça pela fé somente significa que nesta vida não somos justos diante de Deus pela regeneração, pelo batismo do Espírito, pela vida nova de obediência, ou por alguma experiência interna ou obra real. Somos justos diante de Deus somente pela fé –– e “fé é a substância das coisas que se esperam, a evidência das coisas não vistas” (Hebreus 11:1). Ser interiormente perfeito não pertence à justiça da fé, mas à justiça das boas obras, da lei (Romanos 8:4). Ser justo pela fé até que Jesus venha implica que seremos pecadores até que Jesus venha, pois a justiça da fé é somente para pecadores.
“Justificação pela fé (não perfeccionismo) é realmente a única resposta para as perplexidades morais da doutrina do pecado original” (W.H. Griffith Thomas, The Principles of Theology: An Introduction to the Thirty-nine Articles, 193). É a justificação que garante nossa glorificação no final do mundo (Romanos 5:1, 2; 8:30).
Carne e Espírito devem travar um conflito amargo e duro (Gálatas 5:17), e aspiramos pela realidade da plena redenção e justiça quando Cristo vier (Romanos 8:23; Gálatas 5:5; Hebreus 11:40).
O Perfeccionismo nega a completa suficiência e centralidade, se não primazia, da justificação pela fé. Ele se torna inevitavelmente preocupado com a vida interior. Contrário à imagem que procura projetar, o perfeccionismo não é a negação do pecado, mas sua perpetuação. Ao tentar cumprir a vida e história aqui e agora, ele rouba o crente de sua esperança no lá e então.
Opcionalismo
Há um ensino, muito espalhado em alguns círculos, que diz que se uma pessoa uma vez professar ser cristã, ela não pode ser perder, mesmo que expressamente negue a fé em palavras ou conduta subseqüente. Esta idéia faz tamanha separação entre a justificação e a santificação –– e entre a santificação e a fé –– que propõe que um homem insatisfeito e incrédulo ainda pode ser justificado. Chamamos isto “opcionalismo” pois ele faz da vida de santidade –– e até mesmo da fé –– uma opção para os cristãos professos.
Caso a Bíblia ensinasse que a justificação decorresse da graça dados os fundamentos da justiça de Cristo, sem a adição da expressão “pela fé”, poderia haver alguns fundamentos para o opcionalismo. Mas a consideração apropriada da expressão instrumental “pela fé” remove totalmente essa possibilidade.
Justificação pela fé significa que só aquele que crê (tempo presente) é justificado. Na maioria dos exemplos a palavra grega para crer está no tempo presente. Quem que não crê agora não tem nenhum fundamento, de forma alguma, para supor estar, agora, justificado. O cristão é crente e não alguém que uma dia creu.
O opcionalismo não somente nega a justificação pela fé, mas ensina que a fé não é dom divino e a perseverança dos santos é falsa.
Devemos, portanto, insistir na justificação somente pela fé . Como Lutero diz: aquele que crê possui todas as coisas, e aquele que não crê não possui nada. Hebreus 11:1 chama a fé o “certificado de posse” (“substância”) . Sem a fé presente, não há “certificado de posse” para a justificação. Não negamos –– ao contrário, insistimos –– que haja segurança para o crente. Negamos haver segurança para o incrédulo.
Temos continuamente chamado a atenção para a natureza objetiva (fora-de-mim) do ato divino, gracioso, ao justificar o pecador. O ator salvador de Deus aconteceu “fora-de-mim” na obra consumada por Jesus Cristo. Além do mais, a doutrina da justificação por imputação nos ensina que salvação, justiça, segurança e vida eterna são todas fora de nós, na Pessoa de Cristo. Mas o erro aqui discutido internaliza “a obra consumada” e internaliza a segurança. Em grande parte da literatura e ensino que temos examinado, o opcionalismo iguala o acontecimento do novo nascimento com a obra consumada de Cristo e leva as pessoas a colocar sua fé na experiência interna como garantia de segurança. A base para a segurança é a memória de alguma experiência de conversão. Não é a promessa, pois ele não crêem.
Legalismo
O legalismo baseia a aceitação divina, se não em última instância, mas inicialmente, em algo dentro do homem. O cumprimento do mandamento de Deus (lei) torna-se o meio de salvação. Como o pecado, o legalismo é mais perceptível nos outros que em nós mesmos. Por constituir o espírito do homem pecaminoso, nunca estamos inteiramente livres dele, exceto pela graça.
O legalismo pode assumir uma grande variedade de formas:
Primeiro, há o tipo de legalismo que afirma a ocorrência da justificação não pela fé somente , mas pela obediência a certos mandamentos. Alguns dizem mediante a obediência aos Dez Mandamentos, enquanto outros pela obediência ao mandamento do batismo ou de outros deveres evangélicos.
Uma variedade mais sutil de legalismo é a que faz da obediência à leis “evangélicas” o meio de salvação. Em vez de realmente pregar o Evangelho do que Cristo fez para adquirir a salvação, ele prega o “evangelho” de coisas que devemos fazer –– como arrependimento, confissão, entrega, fé, batismo etc. O erro não está na defesa da necessidade de algumas destas coisas, mas na alteração da ordem da salvação. Isso leva à impressão de que a salvação vem à existência quando nós tomamos a iniciativa e fazemos estas coisas. A salvação se torna resposta divina às ações humanas. Este ramo de legalismo ensina como o homem vai a Deus. Deus não faz nada pelo pobre pecador até que ele tome os passos necessários. Muito diferente é o Evangelho, que proclama que o pecador pode se arrepender, crer e ser batizado somente porque a sua salvação já foi realizada por Jesus Cristo.
Então, há o legalismo pneumático , que advoga receber o Espírito pelo cumprimento de toda sorte de passos e condições. A condição para receber o Espírito é a justiça perfeita. O legalismo coloca esta condição nas costas do crente, enquanto o Evangelho a coloca sobre os ombros de Jesus Cristo.
O legalismo tem suas raízes na ignorância pecaminosa –– (ignorância da santidade exaltada da lei de Deus por um lado, e ignorância da corrupção profana e radical da natureza humana por outro lado). A verdade da justificação pela fé somente expõe esta ignorância radical. Ela proclama que a lei de Deus é tão estrita em suas exigências que somente a obediência dAquele que foi preenchido com a plenitude da Divindade, corporalmente, poderia satisfazer sua justiça a nosso favor. À luz da inestimável obediência de Jesus Cristo, o melhor que poderíamos oferecer à lei seria, como Lutero disse: “restolho e palha podre”.
Antinomismo
Antinomismo significa contra-o-sistema-da-lei . Ele vê a própria lei de Deus como o inimigo real. (O legalismo é, paradoxalmente, um tipo de antinomismo.) O Antinomismo propõe que pelo faro de o crente ser salvo somente pela graça, ele deve de agora em diante não ter nenhum relacionamento com a lei moral. A era do Espírito, diz-se, substituiu a era da lei.
O Antinomismo é a essência da condição humana pecaminosa: “Pecado é a transgressão da lei”, disse o apóstolo João (1 João 3:4), e Paulo declara: “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Romanos 8:7).
O Antinomismo, de uma forma ou outra, é, sem dúvida, um dos principais erros nas igrejas atual.
A obediência consciente à Palavra de Deus objetiva é freqüentemente estigmatizada como legalismo. Como uma torrente inaudita de transgressões da lei, crimes e corrupção moral estão destruindo os fundamentos da sociedade, e a própria igreja se assemelha ao Sansão tosquiado diante dos Filisteus. Como pode a igreja que tem se despedaçado com sentimentos antinomistas ter qualquer palavra real do Senhor para a sociedade pecadora e permissiva? Em vez de lutar com firmeza pelos absolutos morais dos Dez Mandamentos, a igreja professa é encontrada freqüentemente acomodando a lei de Deus às normas sociais atuais.
É perigoso discutir o pecado. Quando Eva entrou em diálogo com o diabo acerca da árvore proibida, ela entregou sua única vantagem. O mero fato de dialogar foi uma concessão. Por que a Igreja tem que conversar com os ímpios sobre prós e contras do adultério e da homossexualidade? Se a Palavra de Deus não define claramente o pecado, a cada homem é permitido definir por si mesmo. O homem –– especialmente o homem religioso –– tenta tomar o lugar do próprio Deus como legislador e juiz de tudo. Este é o motivo de os antinomistas revelarem-se legalistas. Os Arminianos tendem a ser antinomistas por crer que Cristo morreu por todos os homens. A lógica de sua crença central implica a não-punição divina de ninguém.
O antinomismo precisa ser reconhecido apesar de sua plumagem variada e enganadora. Ele não afirma de maneira espalhafatosa: “Cristo morreu por nossos pecados para que pudéssemos viver como desejamos já que ele não punirá ninguém”. Isto seria excessiva e obviamente errôneo para ser engolido por alguns cristãos. A pílula letal é envolvida por uma camada de chocolate, de açúcar ou de mel; entretanto ela permanece como pílula letal.
Antes de tudo, temos que concordar com o puritano Walter Marshall, ao dizer que o legalismo é a pior forma de antinomismo. O legalismo sempre pretende honrar a lei de Deus. Todavia, não honra a lei moral, mas a desonra. A lei demanda justiça perfeita, e isto é satisfeito por nada menos que a santa obediência de Jesus Cristo. Apresentar à justiça da lei divina algo menor que a justiça perfeita de Jesus Cristo não é legal (da lei), mas ilegal (fora da lei). É inevitável que o legalista tente reduzir a lei para combinar com seu tamanho. Isto é o que os fariseus faziam. Ao tentar reduzir a lei para seu diminuto padrão, eles realmente anularam a lei mediante suas tradições. Por outro lado, Jesus magnificou a lei em proporções assustadoras. À luz de Sua exaltação da lei, devemos saber que somente nEle há a justiça com a qual a lei é satisfeita.
Mas não corramos para o erro oposto chamando o espírito de obediência consciente aos mandamentos de Deus de legalismo. Calvino estava preparado para colocar sua vida em risco para impedir que pessoas profanas participassem dos elementos da santa comunhão. Isso não era legalismo. Uma moça galesa piedosa foi dependurada numa estaca, com o consentimento de Cranmer e Ridley, por crer na obrigação de obedecer a Deus e ser batizada por imersão. Isso não foi legalismo da parte dela.
É corrupção da mensagem da graça quando pessoas pensam ter que viver como o mundo e desprezar a vida disciplinada e bem-ordenada apenas para provar que não são legalistas. Esta falta de disciplina cristã é sua forma de legalismo –– o legalismo de pensar que essa indiferença em relação à lei torna o homem agradável a Deus.
O Subjetivismo é outra forma de antinomismo, pois tende a substituir a lei objetiva de Deus pela experiência interna do “amor” ou pela “vida cheia do Espírito”. Sem a lei objetiva de Deus, o amor se torna sentimentalismo cego ou mera ética. Os superconfiantes de serem conduzidos pelo Espírito estão em perigo de confundir o espírito humano com o divino. Quem é mais difícil de convencer com o “Está escrito” do que o entusiasta intoxicado com sua experiência “no Espírito”? A Palavra objetiva nada significa para ele quando contradiz sua experiência.
A noção de que o amor ou o Espírito Santo toma o lugar da lei objetiva de Deus caminha de mãos dadas com o dispensacionalismo. Este propõe que a era da lei foi substituída pela graça, e coloca uma contra a outra. Oswald T. Allis estava certo ao escrever que o dispensacionalismo baseia-se em premissas antinomistas (Oswald T. Allis, Prophecy and the Church [Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1972], 37-43).
O que a grande doutrina da justificação pela fé somente diz de todas estas formas de antinomismo?
Em primeiro lugar, a graça de Deus justifica o pecador com base nos fundamentos da justiça perfeita de Jesus Cristo (Romanos 5:18, 19). Esta justiça consiste na obediência de Cristo à lei de Deus a nosso favor. Por Sua vida sem pecado Cristo cumpriu todos os preceito da lei, e por Sua morte Ele satisfez toda penalidade a favor dos que creriam nEle. Deus não salva nenhum homem por chegar perto das exigências da lei. Ele não enviou Seu Filho para enfraquecer sua força ou criar um padrão menor. Como John Flavell disse: nunca a lei de Deus foi mais honrada do que quando o Filho de Deus permaneceu diante do tribunal de justiça para fazer reparações pelo dano realizado.
Em segundo lugar, o pecador crente é pessoalmente justificado quando Deus lhe imputa a obediência perfeita de Cristo à lei. Esta é a túnica de justiça do Pai tecida no tear do Céu. É, portanto, extremamente inconcebível que o crente possa vestir a túnica do Pai enquanto despreza Sua lei. A justificação é um termo legal .
A justificação significa que o pecador crente, mediante a justiça de Cristo, satisfaz os requerimentos da lei. A salvação não é somente salvação do pecado, mas salvação para santidade. Embora nenhum homem seja salvo por sua santidade, também certa sua salvação para a santidade. Ninguém é salvo por guardar os mandamentos de Deus, mas todos salvos são salvos para a nova vida da guarda dos mandamentos de Deus. É impossível ser justificado e não santificado. Santidade não é euforia deliciosa ou o espumar e gritar extático. É a vida de obediência a Deus.
Conclusão
Os erros populares que invadem igrejas e obscurecem a clara luz do Evangelho não são tão diferentes de sua aparência superficial. Como Lutero observou sobre os Papistas e os Entusiastas: eles são como as raposas de Sansão –– têm o rabo preso, mas a cabeça aponta em direções diferentes.
Por exemplo, o Pentecostalismo e o dispensacionalismo se opõem um ao outro quanto ao entendimento sobre a era dos dons especiais do Espírito. Mas eles têm um laço em comum na negação do lugar dado pelo Novo Testamento à justificação pela fé somente. O Pentecostalismo posterga o cumprimento da promessa de Deus do dom do Espírito Santo e o dispensacionalismo o cumprimento das promessas de Deus para os judeus.
A cabeça do legalismo e do antinomismo podem apontar para direções diferentes, mas seus rabos estão amarrados. Vimos que o legalismo é a pior forma de antinomismo. Da mesma forma, o antinomismo, que substitui a lei objetiva pela condução mediante uma experiência interna, constitui o pior tipo de legalismo.
Cada ismo examinado é um afastamento radical da verdade da justificação pela fé somente.
A doutrina bíblica da justificação coloca a graça, a ação salvadora de Deus, a justificação, a perfeição, a segurança e a lei, fora do homem. A única coisa necessária ao homem é a fé, dom de Deus, que habita no coração pela operação do Espírito Santo. A fé cristã está focada fora da pessoa, ou seja, está centralizada em Cristo, para a justiça, para permanecer diante dEle, como norte, para andar diante dEle. O olho da fé vê somente a Cristo no santuário do Céu, à destra de Deus.
Começando com Roma, vimos que a marca do erro lança a verdade ao chão, internalizando-a no próprio homem. Roma internaliza a graça salvadora e a justiça salvadora. O Pentecostalismo internaliza o testemunho cristão, por testemunhar a experiência interna. O subjetivismo neo-evangélico internaliza o trono de Cristo e Sua presença substancial. O Perfeccionismo internaliza a completude do cristão. O legalismo internaliza a base de aceitação para com Deus. O antinomismo internaliza a lei. O Opcionalismo internaliza a obra consumada de Cristo e a segurança eterna.
Tudo isto é o espírito da substituição de Cristo pelo homem pecador. Eis aqui o espírito real do homem do pecado, o Anticristo, que tira o lugar do santuário de Cristo e “ lança a verdade por terra” (veja Daniel 8:11, 12). É o vinho de Babilônia pelo qual o inimigo tem confundido o povo de Deus e o mantido em cativeiro. Todavia , o mensageiro portador do Evangelho eterno, ou a verdade da justificação pela fé somente (Apocalipse 14:6), é seguido por outro, que diz: “Caiu! Caiu Babilônia...” (Apocalipse 14:8). Graças a Deus que os exércitos do maligno não têm poder para manter a igreja cativa, pois o Evangelho de Jesus Cristo quebra as fortalezas do erro. O santuário da verdade, há muito destruído e poluído pelos erros nele introduzidos, será restaurado a seu devido lugar por meio do puro ensino do Evangelho eterno.
Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
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