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sábado, 13 de junho de 2015

Eleição por Graça

por

Roger L. Smalling

Um conto: “Em uma cidade remota, vivia um homem de raros dons. Era um famoso escultor e praticava também as artes marciais. É preciso mencionar que tanto em uma como em outra era um verdadeiro mestre.

Lamentavelmente vários de seus amigos não o entendiam. Alguns criam que para ser escultor era necessário um caráter doce e manso. O resto pensava que um praticante de karatê devia ser um homem duro, violento e de quem todos tivessem medo.

Convidou, então, a todos seus amigos. Queria lhes observassem suas habilidades.
Antes que os amigos chegassem à reunião, o homem tomou uma massa de barro e a dividiu em duas partes. Com o primeiro pedaço moldou uma formosa escultura. Se tratava de um conjunto de pessoas, animais e flores num grande bosque. Pintou a obra de arte e a endureceu no forno. Com o outro pedaço de barro construiu um bloco sem forma e também o cozeu.

Os amigos chegaram no dia marcado e ele decidiu retirar primeiro a escultura.

– Que sensível e doce és! Tua obra é mui fina! Exclamaram maravilhados os presentes.
Respondeu o mestre:

– Obrigado pelo elogio! Porém, na realidade não somente me dedico à escultura.
A resposta do artista deixou muitos de seus amigos perplexos. Se dirigiu a seu ateliê e trouxe até o lugar onde as pessoas estavam reunidas, o grande pedaço de barro cozido.

– Existem outras artes que não requerem sensibilidade, disse com voz grave.
Depois de alguns segundos, lançou um grito e com sua mão estendida rompeu de um só golpe todo o bloco solidificado.

Aqueles que assistiram, se deram conta do que o mestre lhes comunicava. A verdade é que ele era sensível e doce, porém, também era forte. Era melhor ser seu amigo”.

Jeová é como este artista. Alguns o vêem como um Pai amoroso que não faria dano a ninguém; outros o percebem como um Deus que estabelece justiça, castiga e repreende. No entanto, nenhum dos grupos pensa corretamente. O apóstolo Paulo tinha a idéia correta de Deus: “Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus” (Rm 11:22). No conto mencionado, o barro moldado representa os eleitos e o bloco sem forma os reprovados.

Se bem que a misericórdia de Deus não poderia manifestar-se sem a existência de pecadores, tão pouco o justo juízo de Deus poderia igualmente se evidenciar sem a existência de condenados. Devemos amar e temer a nosso Deus. A misericórdia e a justiça divinas se completam; não se contradizem e dependem uma da outra. São como os dois lados de uma mesma moeda; a moeda se chama “predestinação” e os dois lados, “eleição” e “reprovação”.

A CONTROVÉRSIA DA ELEIÇÃO

Se um dia o leitor desejar uma viva disputa entre cristãos, permita-me oferecer-lhe uma sugestão: Pronuncie uma só palavra: PREDESTINAÇÃO!

Para alguns esta palavra é um tesouro consolador que lhes ajuda a entender melhor a graça de Deus. Para outros é a pior das calúnias contra o caráter justo de Deus.

A controvérsia que existe quanto à Predestinação não se encontra na falta de evidências bíblicas. É inevitável que seja controversa qualquer coisa que desafie a independência humana, seu orgulho e a supremacia da sua vontade.

Muitos eruditos em teologia bíblica têm observado que:

“As dificuldades que sentimos com respeito à Predestinação não são derivadas da Palavra. A Palavra está cheia dela, porque está cheia de Deus. E quando dizemos: ‘Deus’, temos dito Predestinação”[1]

Na realidade, a Predestinação é quatro vezes mais fácil de ser comprovada do que a divindade de Jesus. No Novo Testamento há mais ou menos 10 versículos que expressam diretamente a Deidade de Jesus. Porém, mais de 40 expressam a Predestinação.

No entanto, os mesmos cristãos dispostos a defender até a morte a Deidade de Jesus, lutarão com igual fúria para refutar a doutrina da Predestinação. Por que? Como expressou o erudito evangélico, J.I. Packer, “... a mente carnal do homem, incluída entre os salvos, não suporta abandonar a ilusão de que ela mesma é capitã de seu próprio destino e dona de sua própria alma”.

DEFINIÇÃO DA PALAVRA

“Predestinação” quer dizer “destinado antes”. Se refere ao concerto divino das circunstâncias do fato de cumprir com seus decretos feitos antes da fundação do mundo.

A Eleição se refere ao decreto divino de criar, de entre a humanidade condenada, certos indivíduos para serem beneficiários do Dom gratuito da salvação. Deus fez isto sem referência aos méritos, ao estado da vontade, ou a fé prevista dos eleitos. Deus não fez arbitrariamente, mas baseado na Sua graça.

A Reprovação tem tudo a ver com o decreto de divino mediante o qual Deus deixa uma parte da humanidade pecadora, seguir seu caminho até a condenação eterna, servindo desta maneira de objeto da ira de Deus.

Deus não os obriga a pecar. Tão pouco é o autor do pecado deles. Simplesmente os deixa continuar seu caminho como castigo por seus pecados.

Mesmo que os conceitos de predestinação e eleição sejam semelhantes, não são exatamente iguais. A eleição encerra a decisão divina de salvar a alguns; em troca, a predestinação se refere ao poder de Deus para arranjar as circunstâncias a fim de cumprir seus decretos.

Eis aqui uma ilustração:

Suponhamos que desejemos que um cavalo corra em círculos perfeitos. Primeiro, escolheríamos o cavalo (Isto é a eleição). Logo, construiríamos um curral circular para que ele aprenda a correr em círculos (Isto é a Predestinação).O curral representa as circunstâncias da vida em que pomos ao cavalo e é exatamente como Deus arruma as circunstâncias de nossas vidas para assegurar que cumpramos com Seu decreto desde a eternidade.

IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO

A Eleição é como uma luz que ilumina o significado da palavra “GRAÇA”. Sem ela, a graça é entendida como a recompensa por alguma atividade ou disposição humana e não como a causa desta disposição.

Se a definição correta da palavra “graça” é “um favor imerecido”, então, a graça tem que ser independente de qualquer atividade humana. O momento em que aceitamos este conceito, entendemos porque a graça e a eleição são inseparáveis. Não é lógico proclamar a doutrina da salvação pela graça enquanto negamos que a Eleição o seja. Paulo expressou esta unidade com estas palavras: “Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça” (Rm 11:5).

AS EVIDÊNCIAS BÍBLICAS

A) Provas Paradoxicas

Existem dois argumentos que apresentam para tentar refutar a doutrina da Eleição: o conceito da justiça e o conceito da presciência. No entanto, este se convertem nas evid6encias mais fortes para comprovar a certeza da predestinação. São as chamadas “provas paradoxicas”.

1. Argumento da justiça.

Os que são contra a Predestinação dizem: “A Predestinação não pode ser verdade porque Deus seria injusto em escolher a uns e não a outros. E se a vontade de Deus é irresistível como pode Ele fazer-se responsável pelo pecado?”.

Paulo antecipou esta objeção em Romanos 9.14-16:

“Que diremos pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”.

Notemos que no texto anterior, Paulo não se desculpa de nenhuma maneira ante a objeção. Tão pouco a contesta. Porém afirma outra vez o direito de Deus a ter ou não misericórdia, segundo seu critério. Também destaca que a Eleição não depende, nem da vontade humana, nem de seus esforços: “...não depende de quem quer ou de quem corre...” (v. 16).

Paulo antecipa aqui uma objeção baseada no livre arbítrio neutro. Curiosamente, esta antecipação indica que a predestinação soberana é precisamente o que está afirmado. Sua resposta, portanto, soa mais como uma crítica.

“Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?”.

Dizer que a Eleição é injusta, é discutir com Deus. Paulo entendeu a impossibilidade de satisfazer o orgulho dos que se crêem capazes de encarregar-se de seu próprio destino e Paulo se contenta em reprová-los com “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?”.

Existe também outra resposta lógica para contestar a objeção anterior. Todos merecemos a condenação. Se Deus nos condenasse a todos, não haveria injustiça para com ninguém. Por que culpar a Deus de injustiça por salvar a alguns?
Vários recebem de Deus misericórdia. Outros recebem justiça.
Ninguém recebe injustiça da parte de Deus.

Deus se reserva para Si mesmo o direito de fazer com Sua criação o que bem lhe parece. Deus não se sujeita a outro critério que não Sua própria vontade. Suas ações não são susceptíveis às avaliações humanas. A única maneira correta de responder à questão da Predestinação é agradecer a Deus, fechar a boca e descansar.

2. Argumento da Presciência.

Segundo este ponto de vista, Deus escolheu a uns porque via de antemão quem seriam as pessoas que iam obedecer e crer. Os que sustentam este ponto de vista se baseiam em dois versículos:

“... eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito para a obediência...” (I Pe 1:2).

“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho...” (Rm 8:29).

Estes versículos poderiam defender, numa primeira análise, a posição oposta à predestinação, porém contrariamente a defende. É necessária uma pergunta para resgatar o sentido real dos textos bíblicos: O que Deus previu nos homens?

1.Não pode ser a fé porque ela se baseia na predestinação: “... e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (Atos 13:48). A fé é, além disso, fruto da graça de Deus: “... aqueles que mediante a graça haviam crido” (Atos 18:27). Sobre isto comenta Agostinho:

“O homem não é convertido porque deseja, mas só deseja porque é ordenado pela eleição”.[2]

2. Não podem ser as boas obras. Em Efésios 2:10 lemos que as boas obras foram predestinadas do mesmo modo que as pessoas que as executam. As boas obras se baseiam na fé e a fé na predestinação.

3. Não pode ser a boa vontade porque a vontade do pecador não é boa: “Não há quem entenda. Não há quem busque a Deus” (Rm 3:11).

Em vista da depravação e rebelião do homem, não existe nenhuma qualidade boa no pecador para ser prevista. A palavra “presciência” significa o mesmo que “pré-ordenação”. Isto é, Deus sabia de antemão a quem havia escolhido para planejar as circunstâncias de suas vidas, a fim de confirmá-los à imagem de Seu Filho.
Que significa a palavra “presciência” nos versículos citados?

A palavra grega traduzida “presciência” é prognosko, e significa também “pré-ordenado”. Nos versículos citados, a obediência é mencionada como resultado da presciência e não a causa dela. Disse Pedro: “... para obediência” e não “... por obediência”. Paulo também expressa em Romanos 8:29 “para serem” e não “porque viu que eram”. Estes dois versículos, então, servem como apoio à Predestinação em lugar de refutá-la.
É interessante que em I Pedro 1, o apóstolo usa esta mesma palavra prognosko relacionado com a vinda de Jesus e se traduz como “conhecido... antes”, v. 20:

“...conhecido com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos...”. Seria absurdo dizer que Deus o Pai simplesmente “previu” que Jesus viria.  Da mesma forma se vê em Atos 2.23: “... sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus...”. É a mesma palavra encontrada em I Pe 1:2 – prognosko.

Fica claro que a palavra “presciência” significa “pré-ordenação” quando se usa no sentido da atividade divina. Essa palavra apoia, e não refuta a Predestinação.
É interessante que nas Escrituras não existe nenhuma concordância entre eleição e o conhecimento prévio que Deus tem da reação da pessoa.

Por exemplo, Jesus disse: “Ai de ti Corazin! Ai de ti Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza” (Mt 11:21).

Se Deus previu que aquele povo podia se arrepender, por que não enviou um profeta para pregar-lhes? Simplesmente porque não eram escolhidos.

Deus escolheu a Israel como povo Seu embora conhecesse muito antes sua rebeldia: “Todo dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 10:21). Deus escolheu Israel apesar de sua prevista reação negativa: “Deus não rejeitou o seu povo a quem de antemão conheceu” (Rm 11:2).

Deus escolhe a Ezequiel e o envia aos judeus embora lhe diga que eles rejeitarão sua mensagem (Ez 3:6-7). Por que atua desta maneira? Porque os judeus dessa época foram escolhidos como povo nacional de Deus, não tendo como base suas reações ou atitudes, mas com base na vontade divina.

Em I Co 2:7-10, Paulo assegura que Deus tem predestinado para nós uma sabedoria especial, porém oculta para os príncipes deste mundo Deus sabia que o houvesse revelado aos príncipes da época de Cristo, não haveriam crucificado a Seu Filho. Por que, então, Deus não revelou sua verdade aos poderosos? Simplesmente porque tinha essa sabedoria predestinada para nós e não para aqueles.

Deus não fundamenta Suas decisões na reação prevista do homem porque ninguém busca a Deus. Em Rm 10:20 lemos: “Fui achado pelos que não me procuravam, revelei-me aos que não perguntavam por mim”.

Inclusive a lógica nos ajuda a entender porque a presciência não explica a eleição. Todos sabemos que Deus é Todo Poderoso e Onisciente. É óbvio, pois, que qualquer coisa que Deus vê de antemão é também predestinada. Se Deus é Todo Poderoso, pode impedir que aconteça qualquer coisa que contrarie Sua vontade soberana.

Exemplo: Suponhamos que Deus prevê que Sr Fulano de tal nasceria em circunstâncias que o provocariam rejeitar a Cristo. Se Deus quisesse que fosse salvo, poderia trocar essas circunstâncias de modo que tivesse outra influência. Não se pode escapar desta conclusão.  Se Deus não troca essas circunstâncias, é porque o Sr Fulano não é um eleito. Assim, a única maneira de usar a objeção baseada na presciência, é negar que Deus seja Todo Poderoso.

B) As Três Ilustrações de Romanos 9.

Romanos capítulo nove contém as evidências mais dinâmicas sobre eleição porque está dedicado exclusivamente a este tema. Por isso o veremos cuidadosamente.
Paulo expõe suas razões por meio de três exemplos gráficos: (1)Jacó, Esaú, (2) Faraó e o (3) Oleiro.

1. Primeira Ilustração: Jacó e Esaú, v. 6-13

Paulo insiste em dois conceitos: a eleição nacional e a eleição pessoal. Utiliza a primeira para explicar a segunda. É importante deixar claro que Paulo não se refere unicamente a eleição nacional. Os versos 6 a 8 evidenciam que o Apóstolo centraliza sua mensagem na eleição individual:

“...nem todos os de Israel são de fato israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos seus filhos, mas: Em saque será chamada a tua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa”.

Se destaca o mesmo no v. 27 por haver uma distinção entre judeus salvos e judeus perdidos:

“Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo”.

No versículo 11 do capítulo 9 de Romanos, Paulo toma como ilustração uma história do Antigo estamento para explicar a eleição divina:

“E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama)...”.

Jacó e Esaú eram gêmeos. No entanto, antes de que  nascessem, Deus já havia escolhido a Jacó em lugar de Esaú, sem tomar em consideração as características previstas neles.

Se Deus houvesse escolhido a Jacó porque viu de antemão que tinha um coração sensível às coisas espirituais, o versículo deveria dizer: “...(para que o propósito de Deus quanto à eleição prevalecesse, segundo um bom coração e não segundo aquele que chama)...”. Está claro que a base da eleição não foi nenhuma qualidade prevista em Jacó pois seria meritória.

No versículo 11 Paulo ressalta o vínculo entre o amor divino e a Eleição:

“Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú” (v.11).
     
Deus ama por livre eleição, não por mérito algum dos que foram eleitos. Seu amor é uma força poderosa e pessoal que O faz buscar, salvar e preservar aos eleitos. É o Pastor que busca a ovelha perdida. Seu amor é ativo, não passivo; pessoal e não geral; voluntário e não forçado.

Jacó e Esaú são símbolos dos eleitos e dos reprovados. Ele ama aos eleitos, porém aborrece aos reprovados.

Esta interpretação representa um dos três pontos de vista básicos com respeito ao tema delicado e complexo do amor de Deus. Estes três tratam algumas perguntas chave: A quem Deus ama? Que distinções existem relativas às diferentes classes de indivíduos? Estas duas perguntas podem ser resumidas em dois elementos: extensão do amor, e tipo de amor. Os três pontos de vista se desenvolvem como base a estes dois elementos.





Deus ama a todos igualmente? Ama tanto a Adolfo Hitler no inferno como o apóstolo João no céu? Ama a Faraó tanto quanto a Moisés? É o amor de Deus tanto universal como equivalente?

A existência de textos como Romanos 9:13 faz este conceito problemático. Inclusive se aceitamos que a universalidade do amor de Divino é claro que não é equivalente. Não existem formas de tomar a frase “Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú” e interpretá-la como Deus amou a Esaú tanto quanto a Jacó. Mesmo que a palavra “aborreci” significasse um amor inferior (como alguns têm dito), isto não alivia a distinção. Pior, o profeta Malaquias indicou que o aborrecimento divino para com Saú resultou em uma aniquilação total de sua descendência. É um pouco difícil imaginar a aniquilação total como uma expressão de amor.

Mesmo o versículo famoso de João 3:16 (“Amou o mundo de tal maneira...”) não apoie o ponto de vista universalista. Inclusive se fosse possível mostrar que a palavra ambígua “mundo” significasse “todo ser humano”, nada indica que o amor de Deus é equivalente para todos.

De igual forma, nós podemos verificar por meio de uma concordância que a Bíblia NUNCA fala do amor de Deus exceto em referência ao povo de Deus. Tão pouco se pode evitar os textos que indicam um amor particular para os eleitos. (“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados...” — Cl 312; “...reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição” —I Ts 1:4).

Uma mulher veio uma vez se encontrar com Charles Spurgeon e disse-lhe que esta afirmação a molestava: “porém me aborreci de Esaú”, porque pensava que Deus amava a todos igualmente. A resposta de Spurgeon foi esta: “Isso não é o que me molesta, minha senhora. O que me molesta é como podia Deus amar a Jacó”... pois Jacó não o merecia.

É muito valioso proclamar o amor de Deus como um dos seus atributos principais, enquanto está em consonância com a Sua santidade e o Senhorio de Cristo. De outra sorte, tal proclamação pode produzir na mente do ouvinte um conceito de Deus como um grande “vovô” celestial que nunca faria nenhum mal a ninguém. ; que tem um amor passivo e frustrado; amando a todos em geral sem amar a ninguém em particular.; um Deus impotente e frustrado que espera em vão que o homem responda aos seus rogos. Tal conceito agrada bem ao homem moderno porque não representa nenhum perigo. Não é sem razão que vivemos em uma geração que não teme a Deus.

No Novo Testamento, os apóstolos pregaram o arrependimento a Deus e a fé no Senhor Jesus Cristo, porém reservaram a mensagem do amor principalmente para os crentes. Alguns textos sobre este ponto são: Sl 5:5 e 11:28; II Ts 2:13; Hebreus 12:5-6; Tiago 2:5.

Um terceiro ponto de vista argumenta que Deus ama o mundo inteiro em Sua capacidade de Criador, porém a Seus filhos em Sua capacidade como Pai. Seu amor como Criador se estende a todos porque seus filhos também são parte se Sua criação.





Este conceito se baseia principalmente em que Deus tem certas bênçãos para todos indistintamente. Estas bênçãos incluem a preservação da raça (I Tm 4:10), chuva e sol para todos (Mt 5:45), e provisão de habitação para vários povos (Atos 17:26). Em teologia, chamamos estas bênçãos de “graça comum”, para distingui-las da “graça especial”, isto é, a salvação.

Estas bênçãos comuns, comparadas com o amor particular divino para com os eleitos, tem levado alguns teólogos a criar esta distinção no amor de Deus.
Que consolo profundo para os Eleitos o conhecer que Deus os ama com um amor especial e eterno! Um autor Cristão se expressa assim:

“Nenhum Cristão verdadeiro duvida que Deus o ama. Porém a quantidade de amor que ele sente estará principalmente determinada por seu conceito de como e quando chegou-lhe o amor de Deus. Se ele sente que a decisão divina foi condicional, dependente da sua aceitação a Deus, então ele pode imaginar que o amor de Deus também é condicional. O amor significará que é o resultado de um contrato oferecido por Deus: “Eu te amarei primeiro”, diz Deus, “e se me amas a mim também, então te amarei mais ainda”.

“Porém se ele crê que Deus o tem amado com amor eterno, e portanto o tem escolhido e o tem chamado, o sentido do amor é mais profundo. Porque já teremos um amor que já floresceu antes de que tomasse lugar a reconciliação. Temos amor que não foi dependente de um “acordo”. Temos um amor idôneo, incondicional e irresistível. É inexaurível em suas dimensões”.[3]

Voltando ao tema principal, precisemos sobre Romanos 9.16: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”.

Este versículo talvez seja o mais importante em todo o capítulo. Com a expressão “Assim, pois...”, Paulo introduz uma conclusão devastadora. A eleição não tem nenhuma base na vontade humana. Al versículo põe em vão todo intento de argumentar em favor do poder da vontade humana como base da eleição. No entanto, Paulo nunca nega a existência da vontade humana, nem comenta sobre suas habilidades. Ele passa por alto a questão, e indica que a vontade humana não tem nada a ver com o assunto. Para Paulo, tal discussão seria como disputar sobre a qualidade do alicerce colocado para uma casa embora a casa nunca seja construída sobre este fundamento.

2. Segunda Ilustração: Faraó v. 17-18

Paulo apresenta aqui a difícil doutrina da Reprovação, segundo a qual Deus tem passado por alto por alguns no Seu decreto da Eleição. Se Deus elege a alguns para a salvação, é evidente que existem outros que não são escolhidos.

Conquanto a Eleição e a Reprovação são as duas faces da Predestinação, não funcionam igualmente. Na Eleição, Deus troca a mente para dispô-las a aceitar a salvação em Cristo. Na Reprovação, Deus não necessita a atuar no homem porque este já está disposto a pecar sem nenhuma ajuda. No livro de Êxodo, alguns versículos dizem que Deus endureceu o coração de Faraó; outros, que Faraó endureceu seu próprio coração. Qual das duas afirmações está correta?  As duas. Deus endurece o coração do Reprovado ao confrontá-lo com a verdade e Faraó reagiu de acordo com a sua natureza pecaminosa endurecendo seu próprio coração. Deus não faz nenhuma injustiça as Reprovados. Ele faz com que tenham o que mais desejam: o pecado. Eles desejam que Deus se afaste e não os moleste. É um aparente paradoxo que alguns recebam de Deus o que mais desejam e o lamentarão por toda a eternidade. Outros recebem de Deus o que menos desejavam (até que Deus lhes dá novos desejos), e serão agradecidos para sempre. Não é uma injustiça, é uma justiça poética.

Lembramos que cada um de nós merecia o mesmo destino de Faraó. Antes de nos aproximarmos de Cristo todos tínhamos um coração duro. A diferença está na misericórdia de Deus e não na superioridade dos eleitos —“Logo, tem ele misericórdia de quem quer, e também endurece a quem lhe apraz” (v.18).

3. Terceira Ilustração: O Oleiro, v. 19-22

Os que são contra a o doutrina da Predestinação crêem que a ilustração de Paulo não pode ser aplicada à situação humana. Pensam que o homem tem vontade e pensamento, características superiores às que possui um simples vaso de barro.
No entanto, Paulo não nega que os homens tenham vontade; simplesmente rejeita a idéia de que a vontade humana seja a base da eleição.

Deus, o oleiro, “prepara” vasos para desonra (os Reprovados), como uma demonstração do justo juízo de Deus; e vasos para honra (Eleitos), para expressar a glória de Sua graça.

Os contrastes são óbvios. O amor e a misericórdia de Deus para com os Eleitos são eternos. Sua ira para com os Reprovados também. Estes dois grupos estão nos extremos da eternidade e nunca se reconciliam. Todo ser humano é um destes dois vasos.

Uma vez que o orgulho humano é derrotado, e a verdade triunfa: Nós existimos para Deus (para Sua glória) e não Ele para nós.

C. Efésios Um: Causas e Efeitos, v. 3-11

Todas as bênçãos espirituais que nos chegam têm sua causa em que Deus nos escolheu antes da fundação do mundo. Assim, a Eleição é a causa, e a bênçãos espirituais são o efeito. Uma destas bênçãos é a santidade. “... para que fôssemos santos e irrepreensíveis perante ele...” (v.4). Paulo não nos deixa ao luxo e por ao contrário a ordem das coisas e imaginar que a santidade prevista em nós é a causa de nossa Eleição. Se fosse assim, teríamos que dizer que Deus nos pôs em Cristo porque viu que éramos santos, e não porque viu que éramos pecadores. Teríamos assim um Evangelho de Eleição por méritos e não por graça.

Quais são estes benefícios, segundo o contexto? Santidade (v. 4); Amor a Deus (v. 5); Adoção (v. 5); Aceitação completa (v. 6); Redenção pelo sangue (v. 7); Sabedoria e Inteligência Espiritual (v.8); Conhecimento da vontade de Deus (v. 9); Herança no céu (v. 11); Selados com o Espírito Santo (v. 13).

Vários são os argumentos que tentam refutar a clara explicação de Paulo:

O primeiro argumento diz: A Eleição mencionada aqui se refere ao plano divino de incluir os gentios na oferta da salvação, e não a eleição de indivíduos específicos. O problema com tal interpretação é que Paulo não era gentio. Era judeu. Porém persistiu em usar “nós” e “nos” e o plural de verbos como “feitos herança” e “dando-nos”. Ele se inclui a si mesmo no “plano” da predestinação. Mas, no v. 13 ele diz “tendo nele crido, fostes...”. Isso mostra que não estava pensando nos gentios especificamente até o v. 13. Entre os versículos 1-12, estava pensando nos crentes em geral, não nos gentios somente.

O segundo argumento assegura que as frases “em Cristo” e “escolheu nele” quer dizer que Deus sabia que estaríamos em Cristo e que com base nEle fomos escolhidos.
Porém a fé salvadora é em si mesma uma obra da graça de Deus baseada na predestinação (Atos 13:48) e é, também uma bênção espiritual. Logicamente, a frase “em Cristo” tem que ser um resultado da eleição e não a causa dela. Se fosse de outro modo, o texto deveria ler-se: “...escolhidos POR SER em Cristo” e não “escolhidos em Cristo”.

A ordem correta que estabelece Efésios cap.1 é: A Vontade de Deus produz a Graça. A Graça produz a Eleição. A Eleição produz fé, santidade, redenção e todas as outras bênçãos espirituais. Nossa salvação é como um anel de diamante com muitas facetas. A base do anel é a eleição que sustenta todo o diamante. A base tem que ser bem preparada antes de que a jóia seja montada. Da mesma forma, era necessário que o decreto da eleição precedesse todos os outros aspectos de nossa salvação.
Vejamos outras facetas da salvação fora de Efésios cap. 1, que falam da precedência da Eleição.

A Eleição precede a Fé Salvadora: “Creram todos os que estavam destinados para a vida eterna” (Atos 13:48).

A Eleição precede as Boas Obras: “... criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2:10).

A Eleição precede os Pactos: “Fiz aliança com o meu escolhido...” (Salmo 89:3).

A Eleição precede a Chamada Eficaz: “E aos que predestinou a estes também chamou...” (Rm 8:30).

E conhecimento da nossa eleição é uma fonte inesgotável de gozo. Seus benefícios práticos e profundos nos conduzem ao “louvor de sua graça” e produz estabilidade como nenhum outro ensino pode fazer (Ef 1:6; II Pe 1:10).

Como saber se somos eleitos?

“... da operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição” (I Ts 1:3-4).

Paulo sabia que esses irmãos eram eleitos porque reconhecia neles estas três virtudes principais: Fé, amor e esperança. Reconhecia que o desenvolvimento destas qualidades caracteriza os eleitos.

Se bem que a vontade de Deus é que tenhamos segurança de nossa eleição, esta confiança não vem facilmente. Há necessidade de diligência para se praticar as virtudes acima mencionadas. Referente a estas virtudes, Pedro exorta: “... irmãos, procurai com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição, porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum” (II Pe 1:10).

Alguns incrédulos, por meio de sua vontade, alcançam certo progresso no desenvolvimento de tais virtudes. Apesar de seu esforço, seu interesse tem um fim e voltam à sua natureza pecaminosa. Um processo de perfeição à longo prazo é só possível pelo poder do Espírito Santo. É neste processo longo que se distinguem os eleitos.

Os textos de Paulo e Pedro nos ajudam a reafirmar nossa eleição. O progresso espiritual para a glória de Deus é a confirmação do decreto divino.

RESUMO

A doutrina da Predestinação expõe a questão central da salvação: “Com que contribui o homem para sua salvação?”.

A natureza humana pressupõe que a salvação é uma obra mútua e cooperativa entre Deus e o homem. O homem faz sua parte e Deus responde com a graça, de modo que a graça não é soberana. Muitas opiniões diferem acerca do que o homem deve contribuir. Uns querem contribuir com boas obras, penitências, etc. Outros insistem em que tal evangelho de obras é anti-bíblico porque nossa contribuição deve consistir em boa vontade para que Deus receba maior glória.

Porém, um auto engano sutil se esconde aqui. O ponto central não é o que contribuem, mas que não podem contribuir com nada em absoluto.

A Predestinação nos leva a uma confrontação com nossa natureza corrupta, com nossa incapacidade total e com um Deus realmente Soberano. É um assalto sem trégua contra o orgulho e auto suficiência humanas, que a mente carnal não pode tolerar. A eleição nos agarra pela nuca e nos obriga a dizer frente a esta realidade: Deus é Soberano na salvação.

Embora seja uma doutrina difícil de aceitar à princípio, logo se transforma em profundo consolo. Da força das provas, perseverança na perseguição, confiança na oração e segurança em sua relação com o Pai. Esta doutrina nos anuncia que Deus nos amou antes da fundação do mundo, e nos preserva para sempre. Chega a ser para os crentes mais que uma mera doutrina. É como entrar em outra dimensão, onde experimentam algo profundo e escondido. Sentem a eternidade na alma.

D. Outras Evidências

Embora a Bíblia seja a história dos decretos eletivos de Deus, as limitações deste estudo impedem a análise de todos os textos que evidenciam a eleição.

Recomendamos ao estudante evitar um erro comum no estudo deste tema: perder-se nos detalhes e esquecer o padrão da Bíblia em sua totalidade. Este padrão bíblico é simples: Deus, por Sua vontade Soberana, escolheu a um povo para a salvação, sem tomar em conta seus méritos. Com este povo Deus instituiu um pacto de graça, proveio um sacrifício de sangue para confirmar o pacto e os preservou. A ordem e o padrão ficam assim: Eleição, Sacrifício, Preservação. Qualquer outra tentativa é apostasia.
É positivo para o estudante investigar os pactos, o sacrifício eficaz de Cristo, os conselhos divinos e a incapacidade total do homem, para saber como se relacionam estas doutrinas com a eleição.
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Alguns outros textos individuais a estudar sobre a Eleição são: João 13;18; Marcos 13:20; Romanos 11:5; I Co 1:27-28; Tito 1:1; I Ts 1:4; II Ts 2:13; II tm 1:9
Roger L. Smalling é Mestre em Teologia e Missionário na América Latina (Equador)
[1] Citação de Benjamin B. Warfield em “Gathered Gold” por John Blanchard; Evangelical Press 1989, p. 247.
[2] Citado em “Gathered Gold”, John Blanchard, Evangelical Press 1989, p. 74.
[3] John Kenneth, Election: Love before time. P&R Publishing Co., p.86.

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