por
John Owen
O eterno e imutável propósito de Deus é que todo aquele que Lhe pertence de forma especial, todo aquele a quem pretende trazer ao Seu bem-aventurado gozo eterno, tem, antes de tudo, que ser santificado.
Se em tudo o que formos — nossas inclinações, profissão de fé, honestidade moral, utilidade para os outros, reputação na igreja — não formos santos individualmente, espiritualmente e evangelicamente, não estamos entre aqueles que, pelo eterno propósito de Deus, foram escolhidos para a salvação e glória eternas.
Não fomos escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo para sermos primeiramente santos e inculpáveis diante de Deus em amor (Ef.1:4)? Não, fomos, antes de mais nada, “ordenados para a vida eterna” (At.13:48 – ACF; 2Ts.2:13). A intenção de Deus no decreto da eleição é a nossa salvação eterna, para “o louvor da glória de Sua graça” (Ef.1:5, 6, 11).
Que significa, então, quando se diz que fomos “eleitos em Cristo para que sejamos santos”? Em que sentido é a nossa santidade o propósito para o qual Deus nos elegeu?
A santidade é o meio indispensável para se obter salvação e glória. “Escolhi aqueles pobres pecadores perdidos para serem meus de forma especial”, diz Deus. “Escolhi salvá-los trazendo-os através de meu Filho, por intermédio da Sua mediação, para a glória eterna. Mas faço-o segundo meu propósito e decreto para que sejam santos e inculpáveis diante de mim em amor. Sem a santificação que procede da obediência em amor a mim, ninguém jamais entrará na minha glória eterna”.
Pensar que se pode chegar ao céu sem santificação é esperar que Deus mude Seus decretos e propósitos eternos; é esperar que Deus deixe de ser Deus e acate o desejo de pecadores de permanecem pecaminosos. Paulo, no entanto, nos mostra que fomos predestinados para sermos conformes à imagem do filho de Deus (Rm.8:29; 2Ts.2:13); fomos eleitos para a salvação por meio da livre e soberana graça de Deus. Mas como é que se pode possuir de fato essa salvação? Através da santificação do espírito, e de nenhum outro modo. Deus, desde o princípio, jamais elegeu aqueles a quem não santificou pelo Seu Espírito. O conselho e o decreto de Cristo a nosso favor não depende da nossa santidade, no entanto da nossa santidade depende a nossa felicidade futura no conselho e decreto de Deus.
A Santificação é indispensável.
Segundo o imutável decreto de Deus ninguém pode alcançar a glória e a felicidade eternas sem graça e santificação. Os que foram ordenados para a salvação, foram também ordenados para a santificação. A mais tenra criança trazida à luz nesse mundo, não alcançará o descanso eternal se não for santificada e portanto, de modo consistente e radical, tornada santa.
A santificação é prova de eleição
A única prova da nossa eleição para a vida e a glória é a santificação operada em cada fibra do nosso ser. Assim como a nossa vida, a nossa consolação depende também da santificação (2Tm.2:19). O decreto da eleição é o bastante para dar segurança contra a apostasia nas tentações e provações (Mt.24:24).
Como é que posso saber da minha eleição e que não cairei em apostasia? Diz Paulo, “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2Tm.2:19). Diz-nos Pedro, “procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição” (2Pe.1:10). Mas, como é que fazemos isso? Pelo acréscimo de todas as virtudes arroladas por Pedro (2Pe.1:5~9). Assim, se pretendemos estar na glória eterna, temos que nos esforçar totalmente para “sermos santos e irrepreensíveis perante Ele”.
Problema. Se, desde a eternidade, Deus escolheu livremente um certo número de pessoas para a salvação, que necessidade têm elas de serem santas? Podem pecar o tanto que quiserem e jamais perderão o céu, pois os decretos de Deus não podem ser frustrados. A Sua vontade não pode ser negada. E se não forem eleitas, sejam santas como forem, ainda permanecerão perdidos, porque jamais podem ter a salvação.
Resposta. Tal modo de argumentar não é ensinado na Escritura, nem dela pode ser aprendido. A doutrina da livre eleição de Deus em amor e graça é plenamente ensinada na Escritura, onde é proclamada como a fonte de, e o grande motivo para a santificação. É mais seguro apegar-se aos claros testemunhos da Escritura, confirmado na maioria dos crentes, do que dar ouvidos a essas objeções perversas e vis que podem nos levar a odiar a Deus e aos Seus desígnios. É melhor que o nosso entendimento seja cativo da obediência da fé, do que do questionamento de homens néscios.
Especificamente, não somos apenas obrigados a acreditar em todas as revelações divinas, mas temos também que crer nelas conforme nos são apresentadas pela vontade de Deus. O evangelho requer que se creia na vida eterna, mas ninguém, que ainda vive em seus pecados, precisa acreditar na sua salvação eterna.
Os parágrafos a seguir destroem essas objeções:
(i) O decreto da eleição em si mesma, absoluta, sem a consideração de seus resultados, não faz parte da vontade revelada de Deus. Não está revelado se esta ou aquela pessoa é ou não eleita (Dt.29:29). Portanto, isso não pode ser utilizado como argumento ou objeção sobre nada que envolva a fé e a obediência.
(ii) Deus enviou o Seu evangelho aos homens para que o Seu decreto de eleição fosse cumprido e levado à sua concretização. Ao pregar o evangelho, Paulo diz que tudo suportou “por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com eterna glória” (2Tm.2:10). Deus ordena que Paulo permaneça e pregue o evangelho em Corinto porque Ele tinha naquela cidade “muito povo” (At.18:10), isto é, aqueles a quem Ele havia graciosamente escolhido para a salvação. Veja também Atos 2:47; 13:48.
(iii) Em todo o lugar que chega, o evangelho proclama a vida e a salvação por Jesus Cristo a todo o que vai crer, se arrepender e se render em obediência a Ele. O evangelho faz com que os homens saibam plenamente qual é o dever e a recompensa deles. Nessas circunstâncias somente a arrogância e a incredulidade podem usar o desígnio secreto de Deus como desculpa para continuarem pecado.
Objeção. “Eu não me arrependerei, nem crerei, nem obedecerei, se primeiro não souber se sou ou não um eleito; afinal tudo depende disso”.Resposta. Se é assim que pensa, o evangelho nada tem a lhe dizer nem a lhe oferecer, pois você está opondo sua vontade própria à vontade de Deus.
A forma que Deus estabeleceu para sabermos se somos ou não eleitos é pelos frutos da eleição em nossas próprias almas.
Eis uma ilustração. Cristo morreu por pecadores. Não se exige que certa pessoa creia que Cristo morreu por ela de modo particular, mas apenas que Cristo morreu para salvar pecadores. Assim sendo, o evangelho exige de nós fé e obediência, e somos obrigados a reagir favoravelmente. Contudo, até que obedeça ao evangelho, ninguém tem nenhuma obrigação de crer que Cristo morreu por si em particular.
A mesma coisa acontece com a eleição. Exige-se que se creia na doutrina porque ela está na Escritura e é claramente proclamada no evangelho; mas quanto à sua própria eleição, não se exige que ninguém creia nela até que, pelos seus próprios frutos, Deus lha revele. Assim, ninguém pode dizer que não é eleito até que sua condição prove que não o seja porque os frutos da eleição jamais podem operar nele. Esse frutos são a fé, a obediência e a santificação (Ef.1:4; 2Ts.2:13; Tt.1:1; At.13:48).
Aquele em quem se operam essas coisas tem a obrigação, segundo o método de Deus e o evangelho, de crer na sua própria eleição. Todo crente pode ter tanta certeza da sua eleição quanto o tem da sua chamada, justificação e santificação. Pelo exercício da graça, asseguramos a nossa vocação e eleição (1Pe.1:5~10).
Mas os incrédulos e os ímpios não podem concluir que não são eleitos, se não conseguirem provar que lhes seja impossível receber graça e santificação. Noutras palavras, eles têm que provar que cometeram o pecado imperdoável contra o Espírito Santo.
A doutrina da eleição de Deus é ensinada em toda parte da Escritura para o encorajamento e a consolação dos crentes e para motivá-los a serem mais obedientes e santificados (Ef.1:3~12; Rm.8:28~34).
Como É que a Eleição Motiva os Crentes à Santidade a Graça e o amor de Deus na eleição, soberanos e para sempre reverenciados, são fortes motivos para a santificação, e a única maneira de demonstramos gratidão a Deus é agradar-lhe com a santidade de vida. Será que um crente verdadeiro diria: “Deus me elegeu para a vida eterna, portanto vou pecar o tanto que quiser, pois jamais perecerei nem serei condenando”?
Deus usa a eleição como um motivador para o seu povo antigo (Dt.7:6~8, 11). Do mesmo modo o faz Paulo com os cristãos (Cl.3:12, 13). A eleição nos ensina humildade. Deus nos escolheu quando, por causa do pecado, éramos imprestáveis; não porque houvesse algum bem em nós. A eleição nos ensina submissão à soberana vontade, arbítrio e domínio de Deus sobre tudo o que nos concerne nesse mundo. Se Deus me escolheu desde a eternidade, e no devido tempo trouxe-me à fé, não iria Ele também cuidar de todas as coisas que me afetam?
A eleição também nos ensina o amor, a benevolência, a compaixão e a tolerância para com todos os crentes, que são os santos de Deus (Cl.3:12, 13). Como ousaremos alimentar pensamentos grosseiros e severos, e alimentar animosidade e inimizade contra qualquer um daqueles a quem Deus escolheu para a graça e glória? (Veja Rm.14:1, 3; Paulo tudo fez por causa dos eleitos).
A eleição nos ensina o desprezo pelo mundo e por tudo o que lhe pertence. Escolheu-nos Deus para constituir-nos reis e imperadores do mundo? Levantou Deus o Seu eleito para ser rico, nobre e honorável entre os homens para que seja proclamado: “Assim se fará ao homem a quem o rei [do Céu] deseja honrar”? Escolheu-nos Deus para nos guardar de dificuldades, perseguições, pobreza, vergonha e reprovações no mundo? Paulo nos ensina bem o contrário (1Co.1:26~29).
Tiago nos mostra como deve viver um eleito de Deus (Tg.1:9~11). O amor na eleição é motivo e encorajamento para a santidade por causa da graça que podemos e devemos esperar de Jesus Cristo (2Co.12:9). A eleição de Deus nos dá a certeza de que a despeito de todas as oposições e dificuldades que enfrentarmos, não seremos total e finalmente condenados (Rm.8:28~39; 2Tm.2:19; Hb.6:10~20).
Problema. Com certeza alguém que sabe que é eleito tem maior possibilidade de ser preguiçoso e negligente na sua vida espiritual.
Resposta. Alguém segue numa jornada, sabe que está no caminho certo e sabe que se se mantiver no caminho chegará certa e infalivelmente ao fim da sua jornada. Será que esse conhecimento o tornará relapso e negligente? Não seria isso mais provável a alguém perdido e sem saber para onde ir? Não seria isso mais provável a alguém sem a certeza de que alcançaria o seu destino?
Problema. A eleição é desanimadora para o incrédulo.
Resposta. Podem ocorrer duas coisas quando a eleição é proclamada aos incrédulos. Primeiro, eles poderão se esforçar ao máximo para provarem que são eleitos respondendo com fé, obediência e santidade, ou, segundo, podem não fazer nada e dizer que tudo isso depende de Deus.
Agora, qual dessas duas atitudes é mais racional e notável?
Qual delas evidencia que amamos verdadeiramente a nós mesmos e estamos interessados por nossas almas imortais?
Nada é mais infalivelmente certo do que isso: “todo aquele que nEle crê não [perecerá], mas [tem] a vida eterna” (Jo.3:15 - ACF).
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Extraído do livro “O Espírito Santo” do grande teólogo puritano inglês John Owen. À venda aqui: https://www.amazon.com.br/dp/B00CQBRQI0
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