τελος γαρ νοµου Χριστος - Rom. 10.4
Posso obedecer os Dez Mandamentos?
A pergunta do jovem rico.
Sl 119.2 - "Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições, e o buscam de todo o coração".
Os Três usos da Lei [1]
Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de Moisés nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a seguinte terminologia:
A. O Primeiro Uso da Lei: Usus Theologicus
É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano. Segue o ensino de Paulo em Romanos 3.20 e 5.20:
...visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. 13
Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o "ministério da morte" (2 Co 3.7) e, por conseguinte, "opera a ira" (Rm 4.15).
Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores (especialmente Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em pelo menos dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a partir do contexto. Em alguns casos o termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da mesma forma como Evangelho é usado como um sinônimo de Novo Testamento. Em outros contextos o termo lei é usado como uma categoria especial referente ao seu uso como categoria de comando, um mandamento direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma coisa, sem promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a lei em 2 Co 3.7, Rm 4.15 e 8.15. Nesse sentido, o binômio que se confirma é o binômio Lei x Evangelho. O mandamento que não traz salvação versus a graça salvadora de Deus. Porém, não podemos esquecer que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta a promessa da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da antiga dispensação.
Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se obedecida, seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza carnal confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a vida, torna-se em ocasião de morte. Uma vez que todos são comprovadamente transgressores da lei, ela cumpre a função de revelar a nossa iniqüidade.
Explicando isso, Calvino comenta:
Ainda que o pacto da graça se ache contido na lei, não obstante Paulo o remove de lá; porque ao contrastar o evangelho com a lei, ele leva em consideração somente o que fora peculiar à lei em si mesma, ou seja, ordenança e proibição, refreando assim os transgressores com a ameaça de morte. Ele atribui à lei suas próprias qualificações, mediante as quais ela difere do evangelho. Contudo, pode-se preferir a seguinte afirmação: "Ele só apresenta a lei no sentido em que Deus, nela, se pactua conosco em relação às obras. 14
B. O Segundo Uso da Lei: Usus Civilis
É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com punição as faltas contra ela mesma. 15 É certo que essa função da lei não opera nenhuma mudança interior no coração humano, fazendo-o justo ou reto ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando "as mãos de uma ação extrema." 16 Portanto, pela lei somente o homem não se torna submisso, mas é coagido pela força da lei que se faz presente na sociedade comum. É exatamente isto que permite aos seres humanos uma convivência social. Vivemos em sociedade para nos proteger uns dos outros. Com o tempo, o homem pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus que nos restringe do mal. O homem é capaz, por causa da lei de Deus, de copiá-la para o seu próprio bem. É até mesmo capaz de criar leis que refletem princípios da justiça de Deus. Calvino menciona o texto de 1 Timóteo 1.9-10 para mostrar essa função da lei:
...tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina...
Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e evita que esse tipo de mal se alastre ainda mais amplamente no seio da sociedade humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda um outro papel importante no caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a Cristo, como diz Paulo em Gálatas 3.24: "...de maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé." Dessa forma ela serviu à sociedade judia e serve à sociedade humana como um todo. Da mesma forma essa lei serve ao eleito ainda não regenerado. Ele, antes da manifestação da sua salvação, é ajudado pela lei a não cometer atrocidades, não como uma garantia de que não fará algo terrível, mas como uma ajuda, pelo temor da punição.
C. O Terceiro Uso da Lei - Revelar a vontade de Deus àqueles que crêem.
Esse uso da lei só é válido para os cristãos - ensina-os, a cada dia, qual a vontade de Deus. Segundo o texto de Jeremias 31.33, a lei de Deus seria escrita na mente e no coração dos crentes:
Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.
Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no coração dos crentes, qual a função da lei escrita por Moisés? Ela é realmente necessária? Não basta um coração convertido, amoroso e cheio de compaixão para conhecer a vontade de Deus? A "lei do amor" e a consciência do cristão orientado pelo Espírito Santo não bastam? Não seria suficiente apenas termos a paz de Cristo como árbitro de nossos corações? (Cl 3.15).
Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem ainda um papel orientador para os cristãos. Embora eles sejam guiados pelo Espírito de Deus, vivendo e dependendo tão somente da sua maravilhosa graça, a "lei é o melhor instrumento mediante o qual melhor aprendam cada dia, e com certeza maior, qual seja a vontade de Deus, a que aspiram, e se lhes firme na compreensão." 18 A paz de Cristo como o árbitro dos corações só é clara quando conhecemos com clareza a vontade de Deus expressa na sua lei. Deus expressa sua vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não uma obrigação. Calvino exemplifica com a figura do servo que de todo o coração se empenha em servir o seu senhor, mas que, para ainda melhor servi-lo, precisa conhecer e entender mais plenamente aquele a quem serve. Assim, o crente, procurando melhor servir ao seu Senhor empenha-se em conhecer a sua vontade revelada de maneira clara e objetiva na lei.
A lei também serve como exortação para o crente. Ainda que convertidos ao Senhor, resta em nós a fraqueza da carne, que pode ser, no linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não permitindo que estejamos à mercê da inércia da mesma.
Vejamos alguns exemplos do relacionamento entre o crente do Antigo Testamento e o terceiro uso a lei. Primeiramente, podemos observar o prazer do salmista ao falar da lei no Salmo 19.7-14:
A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices.
Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos.
O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente justos.
São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos.
Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa.
Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas.
Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.
As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu.
Que princípio de morte opera nessa lei, segundo o salmista? Nenhum. Para o regenerado, o crente no Senhor, a lei é prazer, é desejável, inculca temor, restaura a alma e lhe dá sabedoria. Isso de alguma forma parece contradizer os ensinos do Novo Testamento. O terceiro uso da lei é claro para o salmista. A lei em si não faz nenhuma dessa coisas, mas para o coração regenerado ela traz prazer e alegria. Na lei o salmista reconhece a sua rocha, o seu redentor, Jesus Cristo: "rocha minha e redentor meu."
Observe também o Salmo 119.1-20:
Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR.
Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam de todo o coração; não praticam iniqüidade e andam nos seus caminhos.
Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca.
Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos.
Então, não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus mandamentos.
Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver aprendido os teus retos juízos.
Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais.
De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra.
De todo o coração te busquei; não me deixes fugir aos teus mandamentos.
Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.
Bendito és tu, SENHOR; ensina-me os teus preceitos.
Com os lábios tenho narrado todos os juízos da tua boca.
Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas.
Meditarei nos teus preceitos e às tuas veredas terei respeito.
Terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra.
Sê generoso para com o teu servo, para que eu viva e observe a tua palavra.
Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.
Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos.
Consumida está a minha alma por desejar, incessantemente, os teus juízos.
De onde vem esse desejo do salmista pelos juízos de Deus? Da lei que opera sobre o homem natural? Certamente que não. Mas para o homem regenerado a lei de Deus se torna objeto de desejo da alma. A lei é maravilhosa para aquele que tem os olhos abertos pelo Senhor. Amar a lei de Deus é ensino claro das Escrituras para os regenerados. Viver na lei de Deus é bênção para o cristão, para o salvo. Ela é o nosso orientador para melhor conhecermos a vontade do nosso Senhor e assim melhor servi-lo. Observe que o viver segundo a lei de Deus é considerado uma bem-aventurança, é como ter fome e sede de justiça.
Pergunto: O que seria do cristão sem a lei para orientá-lo? Como conheceria ele a vontade de Deus? (essa, aliás, é uma das perguntas mais freqüentes entre os crentes no seu dia-a-dia). Ele seria um perdido, buscando respostas em seu próprio coração, na igreja, no consenso eclesiástico, na autoridade de alguém que considerasse superior. Mas o crente tem a lei de Deus, expressando objetivamente qual é o desejo do Criador para a criatura, qual o desejo do Pai para seus filhos.
Mas essa visão da lei não nos traz de volta ao legalismo? Estamos então novamente debaixo da lei? Certamente que não. Para bem entendermos a posição bíblica expressa por Calvino sobre a lei no pacto da graça, precisamos entender também como ele relaciona Cristo e a Lei.
Os Dez Mandamentos representam a vontade de Deus para minha vida, o plano de comportamento traçado por ele. No entanto sei que sou pecador, que tenho a natureza pecaminosa herdada de Adão. Sei também que a lei não salva, mas sou resgatado pela graça e misericórdia de Deus. Qual a importância dessa lei, se sou incapaz de cumpri-la? Como posso obedecer os Dez Mandamentos? Que devo fazer para herdar a vida eterna?
Essas são perguntas honestas e legítimas. A palavra de Deus responde a essas indagações de várias maneiras. A última pergunta - "que devo fazer para herdar a vida eterna?" - foi formulada diretamente pelo jovem rico, no incidente registrado em Mt 19.16-23. Em sua resposta, Jesus reafirma a validade da lei, ao mesmo tempo em que revela a impossibilidade do homem natural no seu cumprimento integral. Falando com Nicodemos (João 3), Jesus afirma a necessidade do novo nascimento. Em Cristo estão centralizadas todas as respostas: ele é o nosso elo com Deus, aquele que possibilita a aceitação de pecadores por um Deus santo, o exemplo de procedimento e de cumprimento dos mandamentos a ser seguido.
Alguém já obedeceu todos os Dez Mandamentos?
A resposta bíblica é um óbvio não! Desde o início temos o registro da queda do homem em Adão pela qual a sua pecaminosidade passou para toda a sua descendência. Isso representa incapacidade no cumprimento pleno da lei. Pecado é toda transgressão da lei de Deus e, como pecadores que somos, desobedecemos a sua lei em pensamentos, palavras e ações.
Romanos 3.9-18, é uma das passagens mais reveladoras dos efeitos do pecado no íntimo das pessoas. Note a extensão e abrangência do pecado - verdadeiramente não há parte nossa que não seja por ele afetada:
Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos.
Paulo realmente registra o estado catastrófico de nossas pessoas e de nossa natureza. A não ser pela misericórdia de Deus, temos ali um espelho no qual veríamos a nossa descrição. Semelhantemente, 1 João 1.8-10 retira de nós qualquer pensamento ou sentimento de auto justiça:
Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós.Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.
Realmente, não podemos apelar às nossas próprias forças ou à nossa natureza para nos adequarmos aos padrões de Deus, expressos em sua Lei. Somente Jesus Cristo obedeceu completamente a lei, em todos os seus aspectos. Ele obedeceu à Lei Civil, como judeu que era. Jesus obedeceu igualmente a Lei Cerimonial, pois viveu no período em que ela ainda se encontrava em vigor, participando de todos os seus requerimentos e cerimônias que apontavam para Ele próprio. Jesus obedeceu a Lei Moral, pois é santo e justo em todas as suas ações e nunca quebrou qualquer um dos Dez Mandamentos. A sua obediência fez com que a sua morte na cruz fosse pelos pecados de sua Igreja e não por qualquer transgressão sua. Sua obediência o qualificou para ser o nosso substituto - ato supremo de amor de Deus para conosco.
Jesus Cristo e os Dez Mandamentos - O diálogo com o Jovem Rico.
Não é correto colocarmos a Cristo e sua Graça em contradição ou oposição com a Lei Moral de Deus. Jesus Cristo demonstra sua afirmação de que não veio para anular ou abolir a Lei, mas sim para cumpri-la, no incidente com o Jovem Rico, registrado em Mateus 19 e Marcos 10. Vemos, nesse incidente, que pessoas pecadoras em um mundo que é pecado, podem querer enganar aos outros e até a si próprias, dizendo que vivem uma vida sem pecados. Entretanto, por mais que o alvo lá esteja e permaneça válido e seguro, ninguém atinge o padrão de perfeição estabelecido por Deus. Todos necessitamos de sua graça, misericórdia e perdão, em Cristo Jesus, para a redenção de nossos pecados.
Vejamos o diálogo travado entre Jesus e o jovem rico, registrado em Mt 19.16-22, trecho no qual lemos:
16 E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei, para conseguir a vida eterna?
17 E ele disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom, senão um só que é Deus. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos.
18 Disse-lhe ele: Quais? E Jesus disse: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho;
19 honra teu pai e tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
20 Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta ainda?
21 Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me.
22 E o jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades.
Desta passagem, podemos destacar os seguintes pontos, relacionados com o uso que Jesus Cristo faz da lei moral:
a. O jovem apresentou-se chamando a Jesus de bom (16). A resposta intrigante de Jesus, mostra que ele não tinha a consciência de quem realmente era Jesus. Bom, em toda a sua essência, somente Deus, e Jesus é Deus (17). Mas o jovem não alcançava que a crença no Messias, em Jesus como sendo Deus e Salvador era o caminho para a vida eterna.
b. Jesus indica o cumprimento dos mandamentos, como o caminho à vida eterna (17). Outra colocação intrigante, da parte do Mestre! Estaria ele ensinando a salvação pelas obras, ou reafirmava a santidade da lei? Aonde estaria ele querendo chegar?
c. O jovem também está intrigado e pergunta: "mas que mandamentos". Jesus responde com a menção dos últimos 6 mandamentos (18 e 19), um a um... (nossas obrigações para com os nossos semelhantes).
d. O jovem praticamente interrompe, respondendo que tudo aquilo havia cumprido; queria algo mais que pudesse realizar (20).
e. Jesus, entretanto, não chegou a enunciar o último mandamento (Não cobiçarás...).
f. Em vez disso colocou um teste prático sobre a cobiça, mandando que ele vendesse tudo o que tinha e distribuísse com os pobres (21).
g. Nesse momento ele evidenciou a cobiça existente no seu coração e "retirou-se triste" (22), mostrando que não cumprira nem o primeiro mandamento, pois amava algo, mais do que a Deus.
h. Note que Jesus, nunca aventou a possibilidade de que aquelas obrigações eram hipotéticas ou superadas pela "nova dispensação", ou de que o Jovem Rico não estava mais "sob a Lei Moral de Deus, mas sob a Graça." Em vez disso, Cristo derrotou o argumento dentro da própria obrigação que o jovem possuía - a de cumprir a lei. Ao mesmo tempo em que reafirmava a validade de sua Lei, Jesus demonstrou que a alegação, do jovem,de cumprimento integral da lei, era falsa; comprovou que ele era, na realidade, um quebrador da lei no seu coração, longe ainda da salvação e da vida eterna - encontrada somente no Messias prometido, em Cristo Jesus.
Quando observamos a forma como Jesus trata a Lei Moral de Deus, não podemos fugir à conclusão de que ela é válida para nossa época. Os dez mandamentos especificam o padrão de obediência e comportamento que Deus deseja de cada um de nós. O paradoxo aparente é que, ao mesmo tempo, a lei está continuamente revelando a nossa insuficiência e a nossa dependência de Cristo como nosso Salvador. Que temos de fazer para herdar a vida eterna? Cumprir o que Deus nos comanda. Como pecadores que somos, erramos os alvo e caímos fora da Glória de Deus (Rm 3.23). Esse alvo permanece firme, real e válido. Mas é quando consideramos as palavras de Jesus a Nicodemos, que temos a visão completa do caminho à salvação. Jesus disse: "Necessário vos é nascer de novo". Temos que depositar a confiança total em Cristo e em sua justiça.
Obedecemos os mandamentos em Cristo.
Cristo demonstrou perfeita obediência ao Pai. Tínhamos necessidade de um perfeito sacerdote e mediador. Sendo perfeito e sem pecado ele foi morto, isto é: recebeu o salário do pecado, pelos pecados do seu povo e não pelos seus próprios pecados.
Com sua obediência perfeita ele adquiriu para nós e nos imputa sua justiça e obediência. Algumas vezes não damos a devida importância a esse aspecto da vida de Cristo, mas essa obediência é tão importante quanto a sua morte e ressurreição. Significa também que a resposta de Jesus ao jovem rico não era apenas figura de retórica, mas um requerimento real - temos de cumprir os mandamentos, mas somos incapazes de fazê-lo, como ficamos então? No que diz respeito à nossa salvação, cumprimos eles em Cristo. Tê-lo como único e suficiente salvador é a única forma bíblica de obediência integral - confiamos, assim, na justiça dele e não na nossa própria, como o fez o jovem rico.
Procuramos obedecer os mandamentos por Cristo.
Apesar de nossa inabilidade no cumprimento da lei, para nossa salvação, ela é o alvo e diretriz fornecido por Deus para o nosso caminhar diário, para a nossa santificação. Considere os seguintes pontos:
a. Como já vimos, Jesus não revogou a lei, o que também se evidencia por Mt 5.17: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir".
b. Na realidade ele reafirma a importância do mandamentos, como temos em Jo 14.21: "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado do meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a êle".
c. Semelhantemente, em Jo 15.10, Jesus se apresenta como o nosso exemplo e reafirma a importância na guarda dos seus mandamentos: "Se guardardes os meus mandamentos permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu amor".
d. Esse ensinamento, registrado repetidamente no evangelho de João, deve ter impressionado o apóstolo. Sob a inspiração do Espírito Santo, ele relembra e reafirma alertas semelhantes, em suas cartas. Em 1 Jo 2:3 e 4, ele mostra que o cumprimento aos mandamentos é a grande evidência da nossa salvação: "Ora, sabemos que o temos conhecido por isso: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso e nele não está a verdade".
e. No capítulo 5, de sua primeira carta (5.2 e 3) João volta ao tema, mostrando que a prova do amor que temos por Deus vem de uma vida dedicada aos mandamentos de Deus: "...porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora os seus mandamentos não são penosos..." Na segunda carta (1.4) ele expressa alegria para com aqueles que "... andam na verdade, de acordo com o mandamento que recebemos do Pai".
Devemos, portanto, ser agradecidos a Deus pois ele providenciou um mediador, Jesus Cristo, que nos resgatou da maldição (punição) da lei, fazendo-se pecado por nós e transferindo sua justiça para nossas pessoas, para que pudéssemos ser aceitos no seio do Pai. Ao mesmo tempo, ele não nos deixa inseguros quanto ao que quer de nós. Pelo contrário, muito objetivamente, ele demonstra que a sua lei deve ser o nosso guia e padrão de vida.
Reconhecemos, portanto, que estamos todos debaixo da maldição do pecado, pecadores que somos, desde Adão. Nossa incapacidade de cumprimento da lei é superada pela graça e misericórdia de Deus, que enviou o seu filho, Jesus Cristo, não somente para morrer por aqueles que compõem a sua igreja, mas igualmente para cumprir plenamente a lei de Deus. Jesus, demonstrando perfeita obediência, assegura o novo-nascimento dos seus e torna-se o exemplo de devoção e lealdade a Deus, a ser seguido. O Messias Prometido, da mesma forma que recebeu sobre si os pecados do seu povo, imputou a ele a sua justiça.
Nos Dez Mandamentos conhecemos nossos limites e nossas obrigações. Comparando nossa vida, nossos desejos e inclinações com a Lei Santa de Deus, compreendemos a extensão de nossa pecaminosidade e verificamos que a salvação procede só de Jesus, pelo seu sacrifício supremo na cruz do calvário.
A Lei de Deus Hoje - O aspecto pragmático da lei de Deus.
Vivemos em uma era de pragmatismo. Isso quer dizer que o importante para a maioria das pessoas é se uma coisa funciona, ou não, independentemente se existem princípios válidos que estão por trás das ações. Essa idéia tem penetrado até nas igrejas e muito tem sido escrito combatendo o pragmatismo, pois é uma filosofia que não é cristã. O cristão vive por princípios, na consciência de que os resultados pertencem ao Senhor. Ou seja, se vivemos o nosso dia-a-dia pelos preceitos de Deus, se as nossa ações se enquadram naquilo que Deus espera de cada um de nós, devemos ter paz e tranqüilidade de que Deus, em sua providência, estará "operando todas as coisas" para o nosso bem.
Por outro lado, no nosso esforço em combater o pragmatismo e o casuísmo, não podemos cair em outro erro: esquecer o que João, em sua primeira carta (5.3) nos instrui: "...os seus mandamentos não são penosos...". Isso significa que os mandamentos de Deus não são uma "camisa de força", como o mundo com tanta freqüência os retrata. Deus nos deu suas determinações não para nos afligir, mas porque elas funcionam na vida real!
Os mandamentos não são uma mera proposição ou abstração teórica. São prescrições que emanam do Deus Todo-Poderoso, do criador do homem, daquele que sabe o que é melhor para ele. Quando seguimos a lei de Deus, vivemos melhor e em harmonia não apenas com o nosso Deus, mas com os nossos semelhantes e com a própria natureza, que dele procede. O resultado dos mandamentos de Deus, são vidas honestas, ajustadas, paz e tranqüilidade, famílias fortes, pais com entendimento, sabedoria e amor, filhos obedientes, harmonia, ausência de violência. O pragmatismo não rege as nossas vidas, mas reconhecemos que a lei de Deus funciona! Proclamemos isso!
O ensinamento do Catecismo Maior de Westminster (perguntas 100 a 102):
P. 100. Que pontos devemos considerar nos dez mandamentos?
R. Devemos considerar nos dez mandamentos: o prefácio, o conteúdo dos mesmos mandamentos e as divinas razões anexas a alguns deles para lhes dar maior força.
P. 101. Qual é o prefácio dos dez mandamentos?
R. O prefácio dos dez mandamentos é: Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Nestas palavras Deus manifesta a sua soberania como Jeová (Senhor), o eterno, imutável e todo-poderoso Deus, existindo em si e por si, cumprindo todas as suas palavras e obras, manifestando que é um Deus em pacto, com todo o seu povo e com o Israel antigo; que assim como tirou a estes da servidão do Egito, assim nos libertou do cativeiro espiritual, e que, portanto, é nosso dever aceitar só a ele por nosso Deus e guardar todos os seus mandamentos.
Ref. Ex 20.2; Is 44.6; Ex 3.14; 6.3; At 17.24, 28; Gn 17.7; Rm 3.29; Lc 1.74-75; 1Pe 1.15-18
P. 102. Qual é o resumo dos quatro mandamentos que contêm o nosso dever para com Deus?
R. O resumo dos quatro mandamentos que contêm o nosso dever para com Deus é amar ao Senhor nosso Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todas as nossas forças e de todo o nosso entendimento.
Ref. Lc 10.27
[1] Mauro Meister - Lei e Graça: Uma Visão Reformada, Fides Reformata (4/2 - Julho a Dezembro 1999).
Nenhum comentário :
Postar um comentário