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sábado, 13 de junho de 2015

TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Por

John Frame


A teologia sistemática procura aplicar a Escritura como um todo. Enquanto a teologia exegética focaliza passagens específicas e a teologia bíblica focaliza os traços históricos da Escritura, a teologia sistemática procura juntar todos os aspectos da Escritura, sintetizá-los. A sistemática pergunta: No que vai dar tudo isso? Ao investigar a fé, por exemplo, o teólogo sistemático examina o que os comentadores exegéticos dizem sobre Romanos 4, Efésios 2.8 e outras passagens da Bíblia que tratam desse tópico. Ele procura saber também o que os teólogos bíblicos dizem a respeito da fé na vida de Abraão, de Moisés, de Davi, de Paulo. Mas depois o teólogo sistemático pergunta: Que é que a Bíblia toda ensina sobre a fé? – ou sobre qualquer outra coisa. Pode ser um tópico mencionado na Escritura mesma, como a fé, ou pode ser um tópico tomado da nossa experiência – Que é que a Bíblia toda ensina acerca do aborto, acerca do desarmamento nuclear, acerca do socialismo?

Uma vez que teologia é aplicação, a mesma pergunta pode ser feita dessa maneira: Que é que a Bíblia diz a nós sobre a fé? Depois de saber o que a fé significou para Abraão, Moisés, Davi e Paulo, queremos saber o que nós devemos confessar. Há, pois, algo muito “existencial” na teologia sistemática, algo raramente notado. No esquematismo de Pratt, a teologia sistemática se centraliza na análise temática ou tópica e, daí, a Escritura funciona como “espelho”. É precisamente quando fazemos teologia sistemática que a questão da aplicação é levantada explicitamente (embora essa questão seja colocada implicitamente por todas as disciplinas teológicas).

Por um lado (como frequentemente se observa), a teologia sistemática depende da teologia exegética e da bíblica. Para desenvolver aplicações, o teólogo sistemático precisa saber o que cada passagem diz e conhecer os poderosos atos de Deus nela descritos. É especialmente importante para os teólogos sistemáticos contemporâneos que eles estejam cientes dos desenvolvimentos ocorridos na teologia bíblica, uma disciplina na qual novas descobertas são feitas quase diariamente. Muito frequentemente os teólogos sistemáticos (este aqui inclusive!) ficam muito atrás dos teólogos bíblicos na sofisticação da exegese que eles praticam.

Por outro lado (e este ponto é menos frequentemente observado), o reverso é também real: a teologia exegética e a bíblica dependem também da sistemática. Certamente é possível fazer melhor exegese de partes da Escritura se a pessoa tiver sensibilidade para o ensino completo da Escritura descoberto pela sistemática. E ela pode entender melhor a história da redenção se tiver uma perspectiva sistemática. Por conseguinte, as três formas de teologia – exegética, bíblica e sistemática – são mutuamente dependentes e correlativas; umas envolvem as outras. São “perspectivas” sobre a tarefa da teologia, não disciplinas independentes.

Que significa a palavra “sistemática” na frase “teologia sistemática”?
À primeira vista podemos supor que ela se refere à coerência lógica ou à estrutura ordenada. Mas é evidente que todas as formas de teologia devem buscar tal coerência e tal estrutura, não só a sistemática. Outra possibilidade poderia ser que a teologia sistemática busca um objeto particular, um “sistema da verdade”, das Escrituras. Mas, que é um “sistema”? É a própria Escritura? Nesse caso, referir-se a isso aqui não ajuda. É algo que está na Escritura ou por trás dela? Seguir essa direção é perigoso. Anteriormente, na Primeira Parte, critiquei a ideia de que haja algo chamado “sentido” ou “sistema” que se coloque entre o teólogo e sua Bíblia. Há sempre o perigo de que a esse “sistema” se dê (na prática, se não na teoria) mais autoridade do que à própria Escritura, ainda que tão somente como uma espécie de tela ou de quadro indicativo por meio do qual devam ser supridos os dados escriturísticos. E esse é, naturalmente, o maior perigo da teologia sistemática. Por essas razões, não posso fazer nenhum uso positivo do termo “sistema” na frase “teologia sistemática”, o que significa que as três expressões – “teologia exegética”, “teologia bíblica” e “teologia sistemática” – são errôneas!

Não obstante, não posso deter-me sem expressar a minha vibração pelo potencial da teologia sistemática em nossos dias. Se a teologia sistemática fosse meramente uma tentativa de fazer um bom arranjo de sistemas do passado, como os de Calvino, Hodge e Murray, ou uma tentativa de desenvolver outro sistema segundo o modelo deles, ela poderia ser muito bem considerada uma disciplina maçante. E receio que hoje em dia muitas vezes os estudantes a veem desse modo, preferindo suas recém-descobertas emoções na teologia bíblica ao que lhes parece pura monotonia na teologia sistemática. Veem-se, pois, poucos bons teólogos sistemáticos no mundo atual. Mas se os estudantes ou os estudiosos vissem a sistemática tão somente pelo que ela é – a tentativa de responder às questões da Bíblia toda, aplicando a soma total da verdade bíblica à vida –, a sistemática poderia voltar a ser vista como algo fascinante, algo merecedor de comprometida dedicação por toda a vida. A sistemática é de fato uma disciplina amplamente aberta. Há tantas tarefas à espera de que se realizem, tantas perguntas sendo feitas hoje e que nunca foram tratadas com seriedade por teólogos sistemáticos ortodoxos – a natureza da história, a natureza da linguagem religiosa, a crise de sentido na vida moderna, a teologia da libertação econômica, etc. E a sistemática também é amplamente adversa quanto à sua forma. Conforme minha definição, a teologia sistemática não precisa tomar a forma de um tratado acadêmico ou de imitar as convenções dos sistemas filosóficos. Ela pode tomar a forma de poesia, peça teatral, música, diálogo, exortação, pregação, ou qualquer outra forma apropriada. São poucos, porém, os que estão fazendo esse trabalho; precisamos de braços mais fortes para mover os remos.

FONTE: John Frame. A Doutrina do Conhecimento de Deus.
São Paulo: Cultura Cristã, 2010. pp. 228-230.

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